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Saiba como aplicar comunicação não-violenta no trabalho e na vida pessoal

Posso descrever minha vida pessoal e os projetos que implementamos em comunidades como antes e depois da comunicação não-violenta (CNV). Sério. É um divisor de águas. Vivemos em sociedade e a forma como nos comunicamos nos aproxima ou afasta das pessoas.

Comunicar não é só falar. Passa por uma decisão a respeito do conteúdo (baseado mais em autoconhecimento do que em estratégia), da forma, do momento, do local da comunicação e, sobretudo, da escuta. Trata-se de expressar-se honestamente e receber com empatia.

Quando trabalhamos na criação ou fortalecimento de negócios coletivos (veja exemplo de negócio de turismo com a Fabriqueta de Araçuaí, de gastronomia com a Sabores do Morro, e artesanato com as Flores do Carmo), aplicamos os princípios da CNV na criação dos Combinados (um Regimento Interno simplificado e prático) e no treinamento para resolução de conflitos.

Esses princípios são perfeitos para as relações de trabalho, mas também se aplicam ao casamento, relação com os filhos, amigos, vizinhos, etc. Quer ver só? Então, vamos às dicas práticas que compartilho aqui com base em Marshall Rosenberg, o psicólogo que organizou metodologicamente os princípios da CNV:

 Comunique-se! O silêncio pode ser a forma mais violenta de comunicação

Outra forma de expressar esse enunciado é uma frase que eu adoro: feedback é prova de amor! A gente não dá feedback para funcionário que queremos demitir, companheiro de quem queremos nos separar, amigo que queremos nos afastar. A gente demite, termina, distancia e pronto.

O feedback é uma crítica honesta e construtiva que tem como objetivo melhorar o relacionamento interpessoal ou a performance da outra pessoa. É uma forma de manter ou melhorar a qualidade/satisfação mútua e garantir a permanência da relação. Então, da próxima vez que seu chefe, parceiro ou amigo te fizer uma crítica, agradeça!

 Livre-se dos julgamentos e das comparações em 4 passos

Já notou como julgamos e comparamos o tempo todo? É um exercício difícil, eu sei, mas que tal aceitar que as coisas são?!

Ponto. Não precisamos categorizá-las como boas ou ruins, certas ou erradas. A origem de muitas desavenças está em cobrar do outro o comportamento que você teria. Por isso, precisamos nos lembrar que não somos o outro e não estamos, nem estaremos nunca, na posição do outro. Quando o comportamento de um colega incomoda (exemplo: Maria levou o equipamento do grupo para casa), a nossa reação habitual é criticar o comportamento com base nas nossas crenças e julgamentos:

– Maria, você pegou o equipamento do grupo para uso pessoal sem pedir, coisa que eu nunca faria!

A acusação está feita e o campo para briga está preparado.

A proposta da CNV é que a gente abra mão de julgar, comparar e prever o que aconteceu substituindo essa certeza preconceituosa e destrutiva por uma dúvida construtiva e comunicada sem violência. Marshall sugere que isso seja feito em 4 passos:

– Maria, notei que o equipamento do grupo não está aqui, foi você quem pegou? (1 observação)

(Maria) – Sim. Levei pra casa para consertar um brinquedo do meu filho.

– Ok. Fiquei chateada quando cheguei para trabalhar e não encontrei o equipamento (2 sentimento). Preciso saber que posso contar com o equipamento quando separo o meu tempo para vir trabalhar (3 necessidade). Da próxima vez que você precisar retirar o equipamento, você pode avisar a todos pelo nosso grupo de whattsapp? (4 pedido)

Um outro exercício/exemplo desses quatro passos foi feito em formato de Cafezim* num diálogo simulado entre eu e a querida Lucila Egydio: confira aqui!

 Não basta se expressar bem, temos que aprender a ouvir direito

Não existe nada de violento, indecente, imoral, cruel ou ruim em algo que alguém te diga. Todos esses valores estão na interpretação que fazemos daquilo que ouvimos. Se ofender é sempre opcional. A gente pode optar por entender como ofensa ou escutar como uma necessidade não atendida e expressa de forma trágica.

Vamos para mais um exemplo para clarificar esse ponto:

Eu faço um jantar surpresa a luz de velas para o meu marido. Às 19h está tudo pronto e estou linda e perfumada esperando ele chegar. Às 19h30 o risoto está começando a endurecer. Às 20h o vinho já esquentou. Às 20h30 a vela já derreteu. Às 21h quando ele chega eu xingo, brigo, digo que ele não tem consideração e vou dormir com raiva e com fome. Ele também me acusa de não reconhecer o tanto que ele trabalha e se esforça e dorme com raiva e com fome no sofá. Esse é um resultado da comunicação trágica de uma necessidade. Com comunicação não violenta, o diálogo vira outro:

21h – Por que você demorou tanto? Estou te aguardando há duas horas. (1 observação)

(Ele) – Fiquei preso em um compromisso do trabalho.

– Fiquei chateada por ter preparado um jantar surpresa e você ter demorado tanto (2 sentimento). Queria uma noite especial para passarmos mais tempo juntos (3 necessidade). A próxima vez que você for se atrasar gostaria que você me ligasse (4 pedido).

O resultado do segundo diálogo provavelmente renderia um aquecimento no micro-ondas e possivelmente boas risadas em relação à frustração do jantar romântico.

Mas nem sempre as pessoas se comunicam de forma não-violenta e podemos evitar o conflito se não ouvirmos violência. No exemplo acima, o meu marido poderia responder à minha expressão de raiva com acolhimento e compreensão:

– Entendo que você ficou frustrada com a minha demora e sinto muito não ter comunicado que me atrasaria. Sou grato pelo seu esforço em preparar o jantar e, se você aceitar, me disponho a pedir uma pizza.

Para fazer isso precisamos exercitar o que Marshall chama de “orelhas de girafa”.

“Quando escutamos os sentimentos e necessidades da outra pessoa, reconhecemos nossa humanidade em comum” (ROSENBERG: 2003:211)

 Um caminho em construção

Nossa comunicação é toda baseada em hábitos. É difícil mudar de um dia para o outro, mas podemos estar atentos e buscar implementar pouco a pouco essas dicas. Para não me alongar ficamos por aqui agora.

A diferença entre a linguagem de negação da responsabilidade daquela de libertação emocional, o poder da vulnerabilidade, a criação de um campo de comunicação, o recebimento empático e, principalmente, a quebra do paradigma incentivo x punição serão tema de um próximo artigo meu.

Cola aqui! E pode comentar. Sem violência, hein?! Ha ha ha

 

ROSENBEG, Marshall B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Editora Ágora: São Paulo, 2003.

*Os Cafezim são vídeos informais feitos pela Raízes, parceiros e convidados para falar de temas que importam pra gente e, possivelmente, para muitos. Veja aqui.

 

Por Mariana Madureira