Alerta de “sem-spoiler”: se você ainda não assistiu a Bacurau, fique tranquilx, pois nossa intenção aqui é complementar o seu olhar com relação ao filme. Porém, se preferir, volte depois pra gente prosear. A verdade é que a produção tem impactado boa parte do Brasil e do mundo que reconhece o potencial da cultura brasileira. Bacurau é mais um olhar sobre as cidades e regiões “fora do mapa”.
Temos no Brasil cerca de 190 milhões de habitantes, segundo o Censo 2010 do IBGE. Destes, 29,8 milhões vivem na Zona Rural. A outra esmagadora parcela se encontra nos centros urbanos, que são “grandes” em potência econômica, ofertas de trabalho e recursos, porém menores em território. Tirando por aí, podemos entender porque alguns municípios como o povoado Barra – na zona rural de Parelhas, no Rio Grande do Norte -, onde o filme foi gravado, ficam esquecidos.
Esquecidos pra quem?
O filme dá luz a uma realidade que é vista sempre pelo lado da escassez e da pobreza. Mostra como a diversidade e as riquezas são massacradas em nome do “progresso” e da criação de uma cultura de dependência em dois sentidos:
1 – Dessas zonas esquecidas pelos recursos dos grandes centros urbanos (o povoado é abastecido por água de um caminhão-pipa que só chega de tempos em tempos);
2 – Num parâmetro macro, trata disso em outra passagem, quando fica clara a subordinação de alguns brasileiros aos “gringos” de países desenvolvidos, renegando a própria origem e identidade.
Abre parênteses: a teoria da dependência
A dependência é conceituada como sendo uma situação na qual a economia de certos países é condicionada pelo desenvolvimento de outra economia à qual está subordinada. Exemplo disso é o comércio internacional, no qual países dominantes podem se expandir e serem autossustentáveis, enquanto os dependentes só podem fazê-lo como um reflexo daquela expansão. Isso pode ter um efeito positivo ou negativo sobre seu desenvolvimento imediato. Assim, a relação de interdependência entre duas ou mais economias assume a forma de dependência.
Essas informações são do artigo A estrutura da Dependência, publicado em 1970 na revista American Economic Review, por Theotônio dos Santos. Da escola dessa teoria destacaram-se os brasileiros Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra, além de dos Santos; o alemão André Gunder Frank e o ucraniano Paul Baran. Com informações da Carta Capital.
Fecha parênteses: identidade e cultura brasileira
A reviravolta do filme mostra a força do povo de Bacurau, que aprendeu a sobreviver pela força do coletivo, independente da (má) vontade alheia. Baixar a guarda? Nada disso. O povo tem autonomia e sabedoria. Sabe discernir o que é bom do ruim, quem é pilantra ou não é. Um faroeste brasileiro que exalta a cultura do cangaço, resgata o Lampião e Maria Bonita.
Bacurau, no aspecto do resgate e resistência da identidade, tem de muito a ver com a linha de trabalho que a Raízes desenvolve em comunidades, especialmente por meio de projetos de turismo comunitário e sua produção associada. Percorremos o Brasil com o propósito de contribuir para gerar desenvolvimento sustentável e justo para os que ali vivem.
Encontramos força, empreendedorismo, colaboração mútua, resiliência e muita gente que aprende a regenerar seus talentos e seu amor pela terra, resignificando a vida e se transformando em inspiração para outros.
Para nós que cruzamos esse país, cidades como “Bacurau” existem e estão no mapa. E com sua gente e sua luta aprendemos a grande lição de um futuro possível, da transformação positiva na qual acreditamos e para a qual trabalhamos. E seguimos juntos!
por Jussara Rocha e Barbara Ataide