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Como lutar pelo combate ao racismo no turismo brasileiro?

Falar sobre turismo antirracista está para além da falta de diversidade no turismo tradicional, é necessário reconsiderar toda uma cultura de preconceito e hostilidade construída nos espaços da cadeia produtiva do turismo, espaços estes que geram situações de discriminação em ambientes que muitas vezes propagam em suas publicidades o “lazer e acolhimento”, mas que na prática promovem barreiras e fazem distinção a determinados grupos. Como lutar pelo combate ao racismo neste cenário?

Vivemos em um mundo diverso, e em um país mais ainda, repleto de culturas, etnias e histórias fascinantes. No entanto, nem sempre a indústria do turismo reflete essa diversidade de maneira justa e inclusiva, tornando-a apagada e embranquecida. 

Panorama brasileiro 

Para Oliveira (2021), o turismo é um fenômeno social que envolve o encontro com o outro, com o diferente, permitindo a troca de conhecimento e experiências. No entanto, também abre espaço para discursos etnocêntricos cheios de preconceito e racismo, muitas vezes inseridos em um contexto de poder. No turismo, o racismo cotidiano, institucional e estrutural se manifesta de maneira evidente.

Logo, é muito importante que se traga reflexões sobre o tema como forma de ampliar a compreensão e problemática do mesmo, dentro das empresas e trade turístico. Dessa forma, a participação efetiva desses atores somado ao desejo de se construir mais pluralidade e conhecimento sobre a cultura negra no setor, traz a possibilidade de criar e erguer novos caminhos e desafios para o turismo, a exemplo do Afroturismo. 

Segundo a CNN Brasil, o afroturismo representa uma linha do turismo tradicional que enfatiza a cultura negra nos destinos visitados. Essa modalidade prioriza fornecedores negros e implementa ações afirmativas para criar um ambiente mais acolhedor, confortável e seguro para os viajantes negros durante suas experiências de viagem.

O Turismo Antirracista busca entender, respeitar e valorizar as culturas locais, combatendo estereótipos e promovendo a igualdade, mas também fala sobre reconhecimento e acolhimento para um turista em específico, um que muitas vezes é hostilizado em um momento que deveria ser de lazer, de tranquilidade. O turista negro no Brasil percebe quando as expectativas e as interações variam com base na cor da pele, uma realidade que não podemos ignorar ao abordar o tema do turismo. 

É essencial compreender que o turismo não ocorre em um vácuo. Muitas vezes, o turista negro é recebido com sorrisos calorosos e atendimento atencioso, mas também enfrenta olhares enviesados e tratamentos diferenciados em comparação aos turistas brancos.

Vivências territoriais

As pessoas que se declaram negras no Brasil equivalem a 55,5% da população, segundo o Censo de 2022 do IBGE.  Os negros são maioria da população, sendo a soma de pretos e pardos. Mesmo sendo a maioria em um país de tamanho continental como o Brasil, há uma ausência de dados oficiais sobre os negros no turismo no Brasil. Não há qualquer informação oficial  sobre  os  viajantes  negros,  não  se  sabe  quem  eles  são,  para onde vão, o que consomem, quanto consomem, quais seus hábitos de viagens. E essa falta de informação comprova o quão problemático ainda é para o setor entender que pessoas negras também são viajantes, que gostam de conhecer lugares novos e que querem ser tratados tão bem quanto outros turistas. 

Abaixo, trechos de um relato do meu amigo Tope Farotimi. Africano da Nigéria, ele visitou o Brasil a primeira vez em 2017, e em seu blog resolveu contar um pouco da sua experiência no Brasil: 

“Quando você chega como turista em espaços onde você é o único negro e os únicos outros negros de pele escura nos bares / restaurantes que você freqüenta tendem a ser funcionários e limpadores, o que tem uma desigualdade muito visível e marcado pela cor da pele. Você se torna muito mais consciente da sua cor de pele, as percepções dos outros turistas, dos donos e funcionários brancos dos espaços e as suas interações com eles, questionando os motivos das pessoas quando você sente alguma diferença no tratamento que você recebe. (…)

Também, você se encontra em situações quando você é exposto ao entendimento que levam os outros turistas sobre essa desigualdade, a história que gerou, e as pessoas mais afetadas por isso. Em lugares de população maioria negra,  eu observei turistas brancos da europa e sulistas brasileiros replicando discursos racistas e inconsciente nos lugares que eles mesmo estavam curtindo em visita e falando da história do povo negro sem conhecimento e respeito algum, de forma que me deixou muito incomodado.”

Tope voltou mais algumas vezes ao Brasil e, em uma conversa recente sobre como ele se sente hoje no país com a segunda maior população negra no mundo, disse:

“Essas experiências que tive mostram a importância de desenvolver um turismo que em parte mostre o conhecimento real da história desse país, combatendo tal ignorância e derrubando estereótipos desses olhares e discursos racistas. (…) Quando penso sobre o racismo no turismo, penso na diferença das duas experiências que tive, quando eu era um turista sozinho com outros turistas (brancos), e quando passei a me relacionar de forma real e mais enraizada com a cultura brasileira, bem como fazendo amizades que hoje levo pra vida. (…)

Mesmo tendo passado por situações complexas no Brasil, me dediquei a conhecer mais desse país, me enraizar mais com os brasileiros, e entender mais para poder contextualizar tudo que eu observei na primeira vez que eu cheguei, e hoje eu considero o Brasil minha casa, por isso voltei mais vezes e meu sentimento mudou. A desigualdade racial e os problemas sociais existem sim, como existem de diversas formas em muitas partes do mundo, e é importante sempre apontar a problemática racista que o Brasil carrega e seu contexto especial, mas ao mesmo tempo há também resistência, dignidade, beleza, e riqueza da cultura levado pelos povos negros do Brasil que me encantaram e que me fizeram ter tanto amor, por isso que eu sigo voltando.”

Iniciativas de Afroturismo que merecem atenção – e respeito

O Portal da Organização Geledés, que há 35 anos luta em defesa de mulheres e negros, escreveu em seu texto Como o racismo afeta os viajantes negros no Turismo que o turismo é uma escolha, mas também é comércio, é cultura, é dinheiro que circula, conhecimento que pode e deve ser étnico também.

Iniciativas como a Diáspora.black, plataforma de viagens que também oferta cursos em sua plataforma e realiza treinamentos para grandes empresas e a Brakifa, agência de afroturismo com o foco de criar produtos turísticos no Brasil e no exterior em lugares com forte história ancestral sobre a população negra, estão mudando o setor para melhor com suas iniciativas voltadas a experiências turísticas para pessoas pretas.

A historiadora Solange Barbosa, alguém que muito admiro, colocou a Rota da Liberdade na plataforma Diaspora.Black. É um roteiro reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que passa por fazendas e quilombos do Vale do Paraíba (SP). É de extrema importância para o que ela disse nessa entrevista à Folha de S.Paulo, que, ao visitar um quilombo, “você não vai ver instrumento de tortura, vai ver resistência”

Identificar um problema e, acima de tudo, admitir sua existência, representa um passo crucial na transformação de uma realidade. Reconhecer o racismo presente no setor turistíco abre espaço para a reflexão sobre políticas públicas, estratégias de desenvolvimento, programas de capacitação, iniciativas de representação, sistemas de cotas e outros elementos essenciais para a concepção de um turismo antirracista. 

Para o combate ao racismo, é necessário que o turismo no Brasil dedique atenção sólida à valorização de sua diversidade, invista em práticas includentes e consistentes no setor e compreenda que, ao abordar essa temática, é necessário ir muito além do que está sendo feito até o momento. A narrativa que é apresentada em relação aos destinos deve manter o acolhimento e respeito a todos. 

Por Kaliane Santos