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É possível desenvolver um turismo autêntico, regional e responsável?

“Como você acredita que o turismo pode ser desenvolvido de uma forma autêntica, regional, responsável?” foi uma das perguntas feitas durante o bate-papo virtual Semeia Live com o tema “Turismo de natureza no Brasil: iniciativas e aprendizados”, promovido pelo Instituto Semeia no dia 13 de julho de 2023 às 11h. Mariana Madureira, diretora e cofundadora da Raízes, falou sobre turismo autêntico, regional e responsável, compartilhando experiências e vivências de trabalho da Raízes Desenvolvimento Sustentável.

Confira a seguir a contribuição de Mariana sobre o tema, começando pela resposta da pergunta acima.

“Bom, eu achei muito interessante essa pergunta que você fez: como a gente pode fazer um turismo mais autêntico…

Eu acho que autenticidade é uma palavra capciosa, é uma palavra difícil de definir. Mas eu acho que eu vou vir aqui pelo caminho do autêntico como algo ancestral, como algo que vem de um lugar muito antigo. E temos no Brasil uma sociobiodiversidade muito grande e quando usamos esse termo novo, sociobiodiversidade, estamos incluindo aí dentro da fauna esse “animalzinho” que é o ser humano. Ele não gosta de se ver como parte da natureza, mas ele é. E a gente tem o ser humano como uma diversidade que dá outra cara para todos os aspectos do território que ele toca.

E essa diversidade é o elemento central no turismo. 

Quando tudo for igual, as pessoas vão parar de viajar. Imagina: você vai viajar pra comer a mesma coisa, para ver as mesmas coisas, para dormir nos lugares que são todos parecidos, homogêneos, não teria graça nenhuma, né? Então, o turismo está muito pautado na curiosidade, na descoberta. E o turismo também é esse lugar em que a gente aprende a partir da alteridade. Não por acaso temos essa definição do turismo como instrumento da paz pela Organização das Nações Unidas (ONU). E eu acredito que isso acontece muito porque ao conhecer o outro desenvolvemos uma real empatia e uma capacidade de tratar essas pessoas como iguais. Por isso que fala-se do turismo como ferramenta para a paz”.

Empoderamento da sociobiodiversidade 

“E aí retomando um pouco essa coisa da diversidade, no Brasil temos esse grande privilégio da diversidade dos povos. Temos 26 povos tradicionais. São ribeirinhos, seringueiros, caiçaras, cipozeiros… Todos aqueles grupos que vivem de extração de coisas da natureza, que vivem à margem do sistema capitalista e por isso também são muito marginalizados. Eles não estão ali dentro daquela lógica louca que a gente tem do consumo. E por isso também eles podem nos ensinar muito.

E olha que esses 26 fora os quilombolas, que têm uma proteção especial, que têm demarcações, e os indígenas – com 305 etnias no Brasil, felizmente retomando as demarcações agora. Mas é muito importante vermos o tanto que esses povos têm para ensinar sobre outras formas de vida, sobre outras formas de uso da natureza. Eles são grandes aliados do ecoturismo, grandes aliados da conservação. 

Entrando um pouco no que a Raízes faz, trabalhamos muito com o empoderamento dessa sociobiodiversidade através do empreendedorismo. Como essas comunidades tradicionais podem gerar renda, podem conseguir sustentabilidade a partir de produtos que são extraídos de forma sustentável ou mesmo através do turismo de base comunitária, diretamente recebendo visitantes? Inclusive, incluindo essas pessoas em atividades rotineiras, ensinando um pouco sobre o bem viver, que é algo que a gente desaprendeu, que a gente perdeu.

Vivemos hoje em um mundo muito frenético. Temos além da grande crise ambiental, além do grande problema social que é a desigualdade crescente, um problema de desconexão, porque temos uma saúde mental mais problemática da história. Então, de repente, é com essas pessoas que têm conhecimentos ancestrais de relacionamento com a natureza que podemos nos reconectar um pouco e resolver até esse problema de dissociação que temos hoje”.

Como desenvolvemos um turismo mais responsável?

“Mas dito isso, muito sobre o turismo autêntico, outro termo foi o “turismo responsável”… 

Como que a gente desenvolve um turismo mais responsável? Além de trabalhar com as comunidades tradicionais diretamente, trabalhamos com essa sociodiversidade de forma indireta com negócios que apoiam essa sociobiodiversidade de diferentes formas. E para dar um exemplo assim palpável, estou no sul da Bahia e a Raízes participou de um projeto muito interessante da Conservação Internacional que se chama Turismo + Sustentável.

Eu acho que esse projeto é muito interessante, pois ele aproxima as pessoas das unidades de conservação. E a fase específica em que a Raízes foi parceira, foi a de mentoria para 10 negócios se tornarem mais sustentáveis. Dentro dos negócios selecionados havia alguns de comunidades tradicionais, de grupos indígenas, Reservas Extrativistas (RESEX), e também tinha negócios de pessoas empreendedoras que já estavam mais avançados, mas que exatamente por ter essa mentoria, por ter esse apoio capital semente, eles puderam se tornar ainda mais sustentáveis e direcionar outras pessoas, inspirar, ser esse exemplo que a gente precisa sobre como gerar renda – porque a sustentabilidade financeira é importante. 

Um dos três pilares da sustentabilidade é que as pessoas entendam e consigam gerar renda para serem autônomas. Mas também com todo o cuidado com o meio ambiente, principalmente aqui [no sul da Bahia] que temos o privilégio de estar em uma área que tem ainda muitas zonas conservadas, muitas áreas de conservação. É um grande mosaico, e é preciso que esse trabalho seja feito aqui como está sendo feito para que resista também à especulação.

Existem vários outros usos desejados e é importante que a gente opte por aqueles que conservam o território”.

O fazer de forma experimental

“O projeto Turismo + Sustentável passou por uma fase de desenvolvimento de governança, está nesse processo agora. Essa governança se chama Futuri. Então, eu convido a todo mundo que não conhece, que não ouviu falar, conhecer a Futuri, que é super interessante. 

É uma governança informal, ainda desenvolvendo qual vai ser exatamente o processo de funcionamento, mas já com vários aliados. Muito aberta para o debate, muito aberta para a construção conjunta, já com vários resultados, fazendo um roteiro agora com uma captação específica. Eu acredito que a Futuri é um exemplo de que é possível fazer de forma experimental.

Essa também é uma lição hoje em dia… Muitas vezes as pessoas têm uma necessidade de ter respostas. Qual é o modelo que eu vou implementar? O que eu consigo copiar e fazer igual em um contexto completamente diferente – o que não faz sentido. E muitas vezes quando buscamos parceiros, buscamos apoiadores para fazer novos projetos, as pessoas querem ter a foto da linha de chegada. Querem entender o que vamos alcançar, quais são as métricas, quais são os números e, muitas vezes, isso é difícil em cenários que mudam muito. E estamos passando por mudanças muito rápidas. Então, eu gosto muito dos projetos que permitem o teste, permitem o erro, permitem fazer alguma coisa que a gente não sabe o que que vai acontecer com ela.

Na Raízes, temos projetos com parceiros, projetos com clientes, e sempre temos projetos próprios por acreditar nisso: na importância de aprender com os processos e de testar coisas novas. 

E aí um dos exemplos: fizemos um projeto no Vale do Jequitinhonha que começou com um apoio ao comércio justo. Iniciamos trabalhando com a venda de artesanatos das ceramistas e vimos que não tinha exatamente o impacto que gostaríamos de gerar. E a partir daí começamos com a visitação.

Então foi um processo de desenvolvimento da visitação que durou alguns anos. Depois passamos por uma spin off na Raízes, a operadora Vivejar foi criada pela Marianne [Costa] e opera esse roteiro de base comunitária no Jequitinhonha ainda. Para nós é um grande exemplo de como o objetivo final era gerar um impacto econômico significativo para aquela comunidade e a estratégia foi mudando no caminho”. 

Turismo autêntico por meio do volunturismo 

“Nesse sentido de gerar estratégias, temos um projeto próprio desde 2017 com a Korui chamado Dona do Meu Fluxo, que é um projeto de empoderamento feminino pelo qual a gente doa coletores menstruais. E o turismo entrou como uma estratégia de captação do projeto, além de palestras, cursos e doações diversas, usamos o volunturismo para expedições na Amazônia para que essas voluntaristas pudessem visitar essas comunidades ribeirinhas, nesses lugares que a doação de coletores também têm uma finalidade ecológica. Isto porque muitos daqueles absorventes com partes plásticas são jogados ali no rio e ficam ali centenas de anos para serem decompostos. Então, usamos ali a força do turismo, do volunturismo em questão, para que essas voluntárias fossem junto e ajudassem a financiar o projeto social.

E agora ele está também em uma fase de reestruturação em que vamos trazer outros elementos, tornando ele um projeto de empoderamento feminino mais amplo. É uma das áreas que, além das comunidades tradicionais, a gente tem também um olhar muito específico: para o ODS 5 [Igualdade de gênero Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas], para o trabalho com mulheres.

Mas enfim, eu queria trazer muito os exemplos do trabalho em rede, além do turismo autêntico, de como uma Futuri, de como outras tantas redes que temos no Brasil, atuando com esse olhar para a sustentabilidade, podem apoiar a conservação da sociobiodiversidade.

E eu acho muito importante ter um olhar pros nossos povos tradicionais, termos um olhar para a inclusão deles. Para esse ser humano que faz parte da nossa fauna e que depende muito da nossa valorização, porque eles são aliados. E eles são ameaçados também. Então, era isso que eu queria trazer um pouquinho”. 

Mariana Madureira é turismóloga pela UFMG e Doutora em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pela UFRJ. Empreendedora social, ela cocriou a Raízes Desenvolvimento Sustentável em 2006, coordenou dezenas de projetos no Brasil com destaque para atuação com Turismo de Base Comunitária (TBC). Faz parte da Rede Folha de Empreendedores Sociais, do Coletivo MUDA!, da Rede Turisol, Futuri, Catalyst 2030 e também do Sistema B Brasil.

Aproveite para assistir ao vídeo da Live Semeia na íntegra a seguir!