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A intergeracionalidade está no DNA da Raízes, mas o que isso tem a ver com longevidade e feminização?

A grande parte dos projetos que foram realizados pela Raízes em comunidades acaba por gerar ou fortalecer grupos organizados e instâncias onde a comunidade legitima a condução das ações no território e a tomada de decisão sobre seu destino. Além disso, em vários projetos e sempre como pano de fundo de nossa atuação, temos como premissa e alcançamos como resultado o empoderamento feminino. Há ainda outro aspecto que tem sido ressaltado como importante em sociedades saudáveis: a intergeracionalidade.

É uma palavra nova, que ressalta a relevância de valorizarmos espaços onde possamos voltar a nos relacionar de forma livre, harmoniosa, respeitosa e cheios de interesses saudáveis uns pelos outros. Trata-se de facilitar que as pessoas saiam de espaços onde são agrupados segundo a sua faixa etária, afinal, temos muito a trocar e aprender com pessoas de todas as idades.

Para os mais velhos, essa interação estimula as funções cognitivas e psicossociais, além de reforçar seu senso de pertencimento e importância dentro da comunidade. Já para os mais novos, além do aprendizado óbvio com pessoas mais experientes, há estudos que afirmam que essa convivência aumenta a sua resiliência, sua capacidade empática, seus relacionamentos sociais e melhora sua percepção sobre o envelhecimento.

Uma vez que a Raízes trabalha com grupos que almejam objetivos comuns para um determinado território, em geral em áreas rurais, é natural que acabemos lidando com grupos multietários. Ao contrário do que se pensa, as diferenças de gerações nem sempre significam somente conflitos. Elas, na verdade, favorecem o diálogo, já que obviamente há pontos de vista distintos e maneiras de ver o mundo que precisam ser conciliadas. E é aí que reside grande parte da riqueza dos projetos que desenvolvemos!

Temos como resultados concretos em vários projetos que as relações intergeracionais podem ser solidárias e potencializar o apoio em certos momentos vitais de um grupo ou da vida de uma pessoa e, consequentemente, reduzir o conflito social.

E quando se fala em empoderamento feminino e se fala em idade, é fundamental lembrar que o envelhecimento da população é um fenômeno mundial, devido principalmente ao declínio das taxas de fecundidade e por uma maior expectativa de vida. Há afirmações de que a questão da idade já ultrapassa a preocupação com os problemas ambientais e de sustentabilidade como principal desafio para a demografia global. E um dos aspectos que chama atenção no envelhecimento é o predomínio de mulheres, à medida que a idade aumenta. A esse fenômeno dá-se o nome de feminização do envelhecimento.

As mulheres constituem a maioria da população idosa em quase todos os países, e o Brasil não foge à regra. Como consequência da mortalidade masculina, as razões de sexo vêm diminuindo paulatinamente e a menor mortalidade feminina explica essa diferença. Os comportamentos específicos do homem e da mulher explicam essa diferença: mulheres frequentam mais os centros de saúde, homens estão mais expostos a acidentes de trabalho e de trânsito e somam-se à prevalência de alcoolismo, drogas e tabagismo.

Sabemos que a identidade de gênero tem sua formação a partir das diversas expectativas sociais e também da construção econômica, política, social e histórica dos papéis masculino e feminino. No passado havia um acordo tácito de que o papel feminino restringia-se à reprodução biológica e à dedicação à família, enquanto o papel exclusivamente produtivo e externo na família era papel masculino. Mas isso vem se transformando desde meados do século XX  e estudos também apontam que a velhice, principalmente após a viuvez, tem sido sinônimo de liberdade para muitas mulheres.

Não iremos nos iludir, pois ainda persiste um grande abismo que separa mulheres e homens de caminharem no mesmo patamar em aspectos profissionais, financeiros e sociais.  Mas como muitas mulheres ainda se dedicam exclusivamente a trabalhar em casa, para elas não há nenhuma aposentadoria e, mesmo para as que cumprem múltiplas jornadas, ao se aposentarem, essa nova fase é muito melhor recebida do que para os homens. Os homens perdem grande parte de seu papel social, enquanto as mulheres encaram este momento como uma libertação. A viuvez pode também ser encarada da mesma forma, uma vez que a partir daí podem abrir espaço em suas vidas para a realização de sonhos deixados de lado.

Como, então, estimular a convivência intergeracional?

O trabalho em comunidades requer uma abordagem holística, que olha para o todo para poder atuar no pontual. E este panorama tem nos chamado atenção, já que temos um campo cada vez mais fértil para nossa atuação, que favorece a colheita de resultados ainda mais positivos. Parece que estamos presenciando o que alguns autores já anteviram: a possibilidade de uma segunda revolução feminista, a partir do crescente engajamento social das mulheres, o que é fundamental para aumentar a autoestima e o senso de pertencimento.

Em conclusão, é prazeroso ver o quanto a Raízes tem tido o privilégio de atuar em projetos de empoderamento feminino aliado à convivência intergeracional. As construções feitas entre pessoas de várias gerações favorecem a melhor acomodação de choques, concilia expectativas, integra modos de fazer e de enxergar o mundo.

A segmentação de espaços sociais por faixa etária é algo recente e a cultura de massa favoreceu essa separação, criando diferentes necessidades para cada público. Inversamente, podemos perceber que na chamada cultura popular, ou no que restou dela, persistem os espaços de interação entre velhos e jovens. Ao mesmo tempo, temos ajudado e consolidar mudanças no papel da mulher na sociedade. E isso tudo, aliado com harmonia, reverbera, como um móbile, por toda a estrutura da comunidade, criando um tecido social mais coeso e harmônico, para o qual muitas vezes temos sido honradas no processo de co-criação.

 

Lucila Egydio