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Como fica o combate à pobreza menstrual das mulheres privadas de liberdade?

Por 21 de janeiro de 2022janeiro 24th, 2022Notícias

O Brasil tem mais de 37,8 mil presas, segundo a última edição do Infopen Mulheres, referente a junho de 2017. Se fizermos um recorte etário considerando o tempo de vida fértil do gênero feminino (e os desafios do combate à pobreza menstrual das mulheres privadas de liberdade), temos pelo menos 65% delas menstruando mês a mês.

O documento traça o perfil das mulheres privadas de liberdade no país, bem como dos estabelecimentos prisionais em que se encontram. Os dados do balanço anterior indicam que a evolução da taxa nacional de aprisionamento do gênero feminino teve um aumento surpreendente de 455% entre 2000 e 2016.

A maioria das presas é negra e jovem. Somadas, as de cor/etnia pretas e pardas totalizam 63,55% da população carcerária nacional. Em relação à faixa etária, presas até 29 anos de idade totalizam 47,33% da população carcerária; 25,22% tem entre 18 a 24 anos; seguido de 22,66% entre 35 a 49 anos e 22,11% entre 25 a 29 anos. Outras 18,33% têm entre 30 a 34 anos de idade.

 

Pobreza menstrual das mulheres privadas de liberdade e outras violências

A questão é que “de acordo com a análise dos dados e informações acerca dos presídios femininos no Brasil, é notório a violação de direitos das presas como direito à saúde, à educação, ao trabalho. Além disso, o descaso quanto as presidiárias gestantes e seus filhos recém-nascidos é uma realidade que se observa nos presídios”, como afirma o portal âmbito jurídico.

Nana Queiroz, jornalista e autora do Presos que Menstruam conta que mulheres presas usam miolo de pão, resto de jornal, papel higiênico e até pedaços de plástico quando menstruam por não receberem kits de higiene adequados. Por meio de seu livro, ela retrata a precariedade em que vivem em diversos aspectos – não só da pobreza menstrual como também outros tipos de violência física e psicológica sofridas, além do abandono.

“Maria Aparecida tem 57 anos, vinte filhos, dezenove netos, cinco bisnetos e nenhuma visita — nem sequer um Sedex — nos últimos dois anos e oito meses. Parece ter se acostumado ao isolamento”, compartilha em um dos capítulos da obra, separada em diversas histórias que a escritora observou e captou em anos de entrevistas por todo o território brasileiro.

 

Direito é direito: o mínimo que deve ser feito

“A humanização do sistema carcerário nada mais é do que o cumprimento da lei de execução penal. A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) cumpre o que a própria lei ordena para as pessoas em privação de liberdade. O que está errado é como o sistema comum trata essas pessoas”, explica Marina Claus, gestora de projetos aqui na Raízes, bacharel em Direito (FUMEC) e especialista em Gestão de Projetos de Desenvolvimento (PMD Pro) e Organizações do Terceiro Setor (UEMG).

A APAC é uma entidade civil, sem fins lucrativos, que se dedica à recuperação e reintegração social das pessoas condenadas. Também socorre a vítima e protege a sociedade. É uma entidade auxiliar do Poder Judiciário e Executivo, tanto na execução penal quanto no cumprimento das penas, e amparada pela Constituição Federal. Atua nos presídios trabalhando com princípios fundamentais, como a valorização humana.

Marina conta que conheceu a Associação quando fazia faculdade de direito. Desde então, se sensibiliza e mobiliza, sempre que possível, pela causa. “Conheci as APAC’s femininas e aí sim me envolvi, me solidarizei”, conta. Hoje atua na captação de recursos financeiros (apoio e doações) e humano (mão de obra, projetos etc.) . E foi assim que ela conectou essa instituição ao nosso projeto próprio em parceria com a Korui, o Dona do Meu Fluxo (DMF).

 

De pouco a pouco, aonde podemos chegar?

No último mês, dezembro de 2021, realizamos três workshops do DMF na APAC de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Foram cerca de 150 coletores menstruais doados para mulheres privadas de liberdade, mas que têm condições de saneamento básico para fazerem a higienização correta: acesso à água para limpeza diária (enquanto está sendo utilizado) do produto e das mãos (também com sabonete e/ou álcool 70º) e para a fervura do produto entre os ciclos.

Além do fator econômico – já que o coletor menstrual pode durar até 10 anos, poupando o investimento constante nos descartáveis –, o copinho também tem uma vantagem ambiental por não gerar lixo. “Uma vez que elas consigam inserir o coletor menstrual na sua rotina, isso pode impactar financeiramente na estrutura da APAC, que vai reverter esse dinheiro em prol de outras coisas. O mesmo para as que recebem a liberdade e também estão com aquele objeto que vai fazer com que eles economizem uma quantia considerável, ainda mais naquele momento em que estão tão fragilizadas e vulneráveis, que é esse da ressocialização”, explica Marina.

Pensar nos benefícios financeiros se torna ainda mais considerável sabendo que a entidade não é remunerada: se mantém através de doações de pessoas físicas, jurídicas e entidades religiosas, de parcerias e convênios com o Poder Público, instituições educacionais e outras entidades. Além disso, da captação de recursos junto a fundações, institutos e organizações não governamentais, bem como das contribuições de seus sócios.

 

De mulher para mulher

Agora envolvida no combate à pobreza menstrual das mulheres privadas de liberdade no Brasil, Marina participou de uma das ações e diz que ouvi-las foi muito importante nas rodas de conversa, falar sobre fisiologia e compartilhar informações.

“As ações foram muito bem executadas, elas foram muito receptivas ao assunto. Essas mulheres, se você for pensar, são o que temos de mais marginalizado na sociedade. (…) São esquecidas pelo poder público, pelas famílias, pelos amigos. Enquanto na fila de um presidio masculino, as parceiras estão lá, as mães estão lá, fazendo visita, as visitas nos presídios femininos são menores.

Então, estar ali naquele contexto falando de empoderamento feminino, das belezas de ser mulher fisiológica e socialmente, é muito forte. Elas trazem uma conexão, ficam muito felizes e vão para um lugar de pensamento que elas não estavam. Acessam informações que elas não tinham. Elas se reconectam com esse lado feminino mesmo que está ali muito adormecido com a dureza da vida que elas levam”, finaliza.

 

Acompanhe essas e outras ações do Dona do Meu Fluxo pelo Instagram do projeto. Seguimos, de pouco a pouco, agindo pelo combate à pobreza menstrual no Brasil!