Uma única mulher tem em média 450 ciclos menstruais durante a vida. Com isso, usa cerca de 10.000 absorventes e gera 150kg de lixo. Se considerarmos que, apenas no Brasil, existem hoje mais de 62 milhões de mulheres em idade menstrual, chegamos ao número alarmante de mais de 12.000 toneladas de absorventes jogados fora todo mês. O cenário é ainda pior dependendo da localidade, quando a região é precária em saneamento básico, como é no Pará. Boa parte do lixo acaba sendo despejado nos rios, impactando diretamente o meio ambiente, neste caso a Amazônia.
Mas isso pode ser revertido ou pelo menos ser menos desastroso para todos. É nisso que acreditam as mulheres envolvidas no projeto Dona do Meu Fluxo, que doou coletores menstruais para centenas de mulheres em situações de vulnerabilidade em oito comunidades quilombolas e ribeirinhas da Amazônia. Em paralelo, o enquanto levavam informações sobre como usá-lo, bem como um bate-papo sobre beleza natural, amor-próprio, sororidade e outras questões do universo feminino.
“É uma novidade que eu acho que vai mudar a vida da gente, pelo fato da gente preservar até o meio ambiente. Eu acho que tem tudo pra dar certo|! O estranho vai ser quando for usar da primeira vez, que vai sentir o incômodo, mas depois a gente vai tirar de letra e ajudar o meio ambiente, que é o melhor, né?”, disse Cristiane Nascimento, de 36 anos, que mora há 13 anos na Vila do Conde. Ela é coordenadora da Associação Comunidade Santa Maria e ajudou a organizar a ação. “Eu vi nelas o interesse. A gente percebe pelo olhar”, conta.
Além disso, com a doação, elas também economizam, pois o gasto com absorventes descartáveis na região varia de 2,5 a 7 reais por ciclo, segundo as participantes. Basta fazer as contas e ver quanto pode deixar de ser ao longo de pelo menos 10 anos. A economia pode chegar até mil reais.
Essa é a terceira edição do Dona do Meu Fluxo, que aconteceu pela segunda vez na Amazônia. No ano de estreia, 2017, o território escolhido foi o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Agora, além da Vila do Conde, as 10 mulheres à frente da ação percorreram outras sete comunidades, divididas em dois grupos. Parte foi ainda para Barcarena, Abaetetuba e Periquitaquara ao Sul do Pará, enquanto a outra metade do grupo viajou Santa Luzia do Pará, Irituia, Santo Antônio do Tauá e Santo Amaro. Foram cerca de 600 km percorridos.
Quanto ao perfil das mulheres impactadas foram de 13 a 74 anos, com diferentes vivências. Apesar de uma parcela já estar em menopausa, elas também foram disseminadoras das informações e puderam inclusive levar coletores menstruais para entregar à outras mulheres, parentes ou amigas, que não participaram dos encontros, instruindo o uso.
Além disso, tão importante quanto a entrega do coletor em si era a conversa, a troca de experiências entre essas mulheres, o diálogo e essa fusão de gerações, pois por essa construção era possível saber muito mais sobre a realidade local de parte da Amazônia, tabus, preconceitos, mercado de trabalho, mitos, lendas e outras temáticas.
“A gente sempre busca, nessa questão de transformar, onde você está a partir de você. E eu vi que são meninas muito acomodadas, acho que engravidam muito fácil, e que vão reproduzindo a própria vida. Esse sistema de costume, né? Já favorece essa vidinha, entende? E como eu vim pra cá, em Vigia, na minha cidade, eu sou militante sempre fiz o meu papel social como cidadã, sempre trabalhei, fui conselheira tutelar, fui conselheira da mulher, enfim, tive essas conquistas”, contou Nivea Maria Ferreira, de 38 anos, mobilizadora comunitária, que atua no fortalecimento da associação Vila Nova, em Barcarena, a 118km de Belém.
Depois das horas de workshop, ela disse que “a fala de vocês reforça o empoderamento nessa era tão complicada, machista que nós temos ainda resquícios, né? Mas é de fundamental importância o trabalho de vocês, porque reforça as mulheres dessa comunidade e faz dessas informações um mecanismo de transformação”.
O projeto Dona do Meu Fluxo foi idealizado e desenhado em parceria da Korui – que produz os coletores e desde sua criação reserva uma unidade a ser doada para cada 10 vendidas – e da Raízes Desenvolvimento Sustentável – negócio social que desenha e implementa projetos sociais especialmente no âmbito do turismo comunitário. A equipe de voluntárias deste ano incluiu colaboradoras das duas empresas e quatro volunturistas. O roteiro pela Amazônia durou cinco dias, de 30 de junho a 4 de julho.
Fotos: Barbara Ataide