“Turismo e transformação digital” é o tema do Dia Mundial do Turismo deste ano definido pela ONU. Os avanços digitais estão transformando a forma como nos conectamos e nos informamos, transformando nosso comportamento e incentivando a inovação e estratégias de crescimento sustentáveis e responsáveis.
Por isso, devemos também entender os crescentes impactos econômicos, sociais e ambientais da tecnologia e da inovação no turismo, para que nosso setor possa sustentar um crescimento contínuo e inclusivo, de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS).
Nesse sentido, pensei em falar aqui hoje sobre a plataforma mais famosa (e polêmica) dessa nova era do turismo digital: o Airbnb. Seria ele um vilão ou um mocinho?
Fora de controle
O turismo pode gerar impactos muito positivos. Em excesso, por sua vez, tem sido um problema em alguns destinos do mundo por sobrecarregar os serviços urbanos e gerar aumento nos preços, entre outros.
Por isso, governos têm criado regulamentações. No Brasil, por exemplo, municípios turísticos são obrigados a criar e manter atualizado um Plano Diretor com delimitação de áreas. Em muitos casos, delimitam a quantidade de hotéis e de leitos permitidos.
O que pretendem com isso? Não ultrapassar a capacidade ambiental e social do lugar. Os cálculos ambientais variam de acordo com a fragilidade do bioma e condições específicas. Já o cálculo social se baseia em uma quantidade de visitantes que não extrapole determinada porcentagem de moradores.
Acontece que todo esse controle ruiu quando as pessoas passaram a alugar um quarto excedente ou mesmo todo seu imóvel sem necessidade de conseguir um alvará ou qualquer tipo de autorização do poder público. Isso se deu com o surgimento de plataformas como o AirBnB e outras menores, como Wimdu, TrocaCasa TripAdvisor, Rentals e Alugue Temporada.
Overtourism e Turismofobia
Achar um quarto com bom preço e boa localização ficou tão fácil que em várias capitais europeias o AirBnB ultrapassou a rede hoteleira em reservas. Isso significa não só perdas significativas para o setor, mas, principalmente, muito mais turistas nesses destinos. Isso causa uma pressão imensa, denominada recentemente de overtourism.
Esses locais estão sofrendo consequências do turismo excessivo. Moradores se manifestam publicamente com caminhadas, faixas e mensagens urbanas em placas, pichações e grafites. As mensagens e apelos são, em maioria, pacíficos. Mas a repulsa aos visitantes tem atingido níveis em que se pode designa-la como turismofobia.
Figura 1 Mensagem em muro de Barcelona: Refugiados bem-vindos, Turistas voltem pra casa.
Figura 2 Mensagem em muro de Palma: Turistas vocês são os terroristas.
Figura 3 Cartazes em Berlim: Castre a gentrificação. Pare de ordenhá-la.
Alternativas possíveis
Essa situação coloca o turismo em reflexões complexas: qual o nível ótimo de regulação e quem e de que forma deve regular o quê?
Muitos entusiastas da nova economia tendem a ter uma postura mais liberal e criticar qualquer tentativa de regulação, sob o risco de mudar a natureza de colaboração. A fundadora do ZipCar, Robin Chase, acredita que existe uma auto regulação nas plataformas que são de propriedade de empresas (modelo Peers Inc) que se dá na medida em que o público reage tanto à falta quanto ao excesso de regras, ditando o equilíbrio ideal de forças.
Mas casos como o Airbnb – que movimenta milhares de pessoas, dólares e destinos – precisam ser vistos como a exceção que são. A plataforma, inclusive, se enquadra no que os autores Botsman e Rogers apelidaram de “falso compartilhamento” por ter uma dinâmica muito mais afeita à economia tradicional do que à colaborativa. Isso acontece porque o Airbnb é formada por alguns sócios e acionistas que tomam decisões, assumem riscos e dividem lucros. Nesse sentido, faria sentido que fosse tratada como uma empresa convencional no que tange regulamentação e taxações.
O Airbnb tenta reagir às inúmeras críticas que recebe ganhando a simpatia do público por outras vias como o posicionamento contra os discursos de ódio no episódio em que negou hospedagens a neonazistas, o acolhimento de refugiados e a oferta de hospedagens gratuitas para vítimas de desastres naturais.
Em paralelo outras alternativas estão sendo criadas para oferecer opções mais sustentáveis a consumidores que se preocupam primordialmente com isso. Nesse sentido, surgiu recentemente o FairBnB, uma futura plataforma (por hora um manifesto e um chamado para codificação e financiamento coletivos) que tem como intuito facilitar o aluguel de curta temporada com regras que evitem a especulação imobiliária e, principalmente, deixem o lucro dos alugueis na própria comunidade. A proposta é que a plataforma tenha propriedade compartilhada entre hosts, visitantes e vizinhos – todos os impactados por ela.
Fica claro que as mudanças são e precisam ser rápidas. O público está cada dia mais antenado e crítico. Para que as plataformas sobrevivam é preciso se adequar às demandas – tanto dos turistas quanto dos moradores locais. É preciso uma postura consciente do indivíduo, mas isso não exclui a necessidade de um debate coletivo e a criação de políticas públicas que deem conta do bem comum. Um desafio e tanto, não é?
E você, qual é a sua opinião?