São cerca de 51,5 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza no país hoje. 1 a cada 4 brasileiros vive com menos de R$ 436,00 ao mês. Outros 13,6 milhões de habitantes, cerca de 6,5% da população, vivem em condições de extrema pobreza: com menos de U$ 1,90 por dia (o equivalente a R$ 151,00 por mês). E isso também diz muito sobre a pobreza menstrual no Brasil: se falta o que comer, falta acesso à água e produtos de higiene, como ter condições de comprar um absorvente ou fazer o uso correto de um coletor menstrual?
Os dados acima estão no Relatório Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos, do UNFPA e do UNICEF, que foi publicado recentemente e traça um panorama alarmante da realidade menstrual vivida por meninas brasileiras.
As mulheres são 51,8% da população brasileira segundo dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2019. E, fora tantas outras especificidades de gênero que as diferem dos homens cis, uma característica biológica é predominante: elas menstruam. Ainda é preciso considerar dentro dessa realidade o número de homens trans que também vivem seus ciclos e que podem estar em situação de vulnerabilidade. Infelizmente há poucos dados oficiais sobre a população trans em âmbito nacional.
Mas afinal, por que é tão complicado acabar com a pobreza menstrual no Brasil?
O primeiro ponto diz respeito à falta de acesso a produtos como absorventes descartáveis, absorventes reutilizáveis, de tecido, calcinhas menstruais, coletores etc. – problema que poderia ser resolvido com iniciativas de políticas públicas. Mas para deixar o cenário da pobreza menstrual no Brasil ainda mais assustador, o presidente Jair Bolsonaro vetou a distribuição de absorvente para estudantes de baixa renda da rede pública e para mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade social. No momento, senadores de diversos partidos querem e se articulam pela derrubada do veto.
Outros fatores relacionados a essa condição dizem respeito a questões estruturais como a ausência de banheiros em casa, saneamento básico (água encanada e esgotamento sanitário), coleta de lixo. Além disso, a falta de acesso a papel higiênico e sabonete, a medicamentos e a carência de serviços médicos. Economicamente falando, o desafio é a tributação sobre os produtos e o investimento necessário para uma mulher ao longo da vida. São cerca de R$ 6 mil, considerando 450 ciclos menstruais, segundo estimativa do Fluxo Sem Tabu.
Considerando todo esse cenário foi que surgiu, em 2017, o Dona do Meu Fluxo (DMF), projeto próprio aqui da Raízes Desenvolvimento Sustentável em parceria com a Korui. O objetivo é doar coletores menstruais para mulheres em situação de vulnerabilidade, mas não só isso: também dialogar e se aproximar dessas mulheres, conversar sobre a menstruação, compartilhar conhecimento sobre o corpo feminino, além do uso correto do coletor menstrual, sua higienização etc.
Além do fator econômico (uma vez que o coletor menstrual pode durar até 10 anos, poupando o investimento constante nos descartáveis), o copinho também tem uma vantagem ambiental por não gerar lixo, ainda mais considerando a falta de saneamento em boa parte do território nacional. Por outro lado, esse mesmo fator da falta de infraestrutura básica faz com que ele talvez não seja a melhor opção para mulheres vivendo em extrema vulnerabilidade, como em situação de rua e cárcere, uma vez que exige cuidados especiais para a higienização: acesso à água para limpeza diária do produto e das mãos (também com sabonete e/ou álcool 70º) e para a fervura do produto entre os ciclos.
Assim, mesmo iniciativas de doação de absorventes descartáveis que vão na contramão das questões ambientais são extremamente válidas, considerando o cenário social. Por essas e outras razões é tão, tão complicado acabar com a pobreza menstrual no Brasil e encontrar uma solução unificada. O que temos visto com alegria é o surgimento de muitas iniciativas da sociedade civil, pessoas, em especial mulheres, com muita vontade e desejo de ajudar as próximas e mudar esse contexto tão triste. Inclusive, recentemente compartilhamos espaço com algumas delas em uma matéria do Projeto Colabora.
Para hoje, recomendamos fortemente baixar e ler com atenção o relatório do UNFPA e do UNICEF, seguir o DMF no Instagram para acompanhar as novidades e, caso o propósito te toque, contribuir como puder: seja comprando um coletor menstrual, uma camiseta do projeto, sendo uma voluntária, fazendo uma doação, contando a sua experiência, cadastrando uma comunidade, compartilhando nas suas redes ou sendo uma pessoa apoiadora. Ufa! Há muitas formas de ajudar!
Vamos juntas e juntos?