Qualidade ou quantidade? É importante que o impacto gerado por meio de um projeto social, seja para aumento de renda, capital semente investido, número de beneficiários etc. seja mensurado de maneira quantitativa. Mas há um impacto inclusive mais significativo, que por vezes permanece invisível por ser mais difícil de ser captado: o qualitativo. Os projetos de desenvolvimento local têm um grande impacto na autoestima e identidade cultural da comunidade envolvida, tendo um papel importante na redescoberta de sua história e reconexão com o território.
Um exemplo deste impacto é o depoimento de uma das beneficiárias do projeto Flores do Carmo, sob gestão da Raízes em parceria com a Fundação Vale. “A minha mente reviveu”, diz Cida, uma das mulheres beneficiadas, contando sobre as mudanças em sua vida com o envolvimento no projeto. E este não é um caso isolado. São muitos os depoimentos nessa linha. Já tivemos relatos de diminuição do consumo de medicamentos no posto de saúde da cidade e de melhoria nos índices de depressão e outras doenças.
Luiza, da Korui, nossa parceira no projeto Dona do Meu Fluxo, fez uma reflexão sobre como medir apenas o impacto numérico, quantitativo, em si pode ser vazio. Ela conta que quando pensaram a venda de coletores incluíram o mecanismo “para cada 10 vendidos, 01 doado” com a intenção de levar este acessório para mulheres em comunidades de baixa-renda. Depois perceberam que se apenas chegassem e fizessem a doação haveriam grandes chances do produto não ser usado ou não ter um impacto significativo na vida daquelas mulheres.
Por isso, com nossa parceria, levamos informação para desmistificar e apresentar o produto, além de falar sobre empoderamento feminino e entrar em questões mais profundas sobre o papel e a autoimagem das mulheres que participam.
Entre um e outro, fique com os dois
A busca é pelo caminho do meio, combinando a mensuração entre o quanti e quali. Balancear de um lado dados numéricos do outro depoimentos e constatações mais sutis, formando uma figura do antes e do depois. Um aspecto importante é o acompanhamento de longo prazo, o que chamamos de monitoramento, para compreender como aquelas pessoas e aquela realidade foi de fato afetada ao longo do tempo. Muitas vezes, quando o foco é somente melhorar índices quantitativos, a mudança e melhoria positiva pode não se manter a longo prazo. As mudanças qualitativas por sua vez reverberam por anos, em transformação positiva contínua.
Em alguns de nossos projetos temos usado o recurso de captar depoimentos e fazer o registro em vídeo, com qualidade profissional e olhar aguçado para captar a essência. Este retrato e estas mensagens tem muita força, mas fica a questão no ar de como mensurar estas transformações sutis além do depoimento? Como mostrar a transformação causada na pessoa e na realidade do local?
Há uma necessidade de fazer diferente, mudar e criar novos parâmetros. Temos inclusive participado de discussões junto aos nossos clientes sobre como medir equidade de gênero, por exemplo. Em nossa reflexão e imersão no tema e em nossos projetos encontramos exemplos de novos parâmetros que nos inspiram. Para citar alguns deles: a avaliação do Sistema B, o Felicidade Interna Bruta (FIB) – substituto do PIB no Butão – e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela ONU.
Diferença na prática
Um novo parâmetro possível que temos percebido é quando vemos os beneficiários de um projeto social perpetuando a transformação e servindo de inspiração para outras pessoas, até mesmo fora da comunidade. É o caso da Glorinha Honorato, do Projeto Sabores do Morro, em Minas Gerais, que participou do nosso último encontro “Cafezim com Raízes” ao lado de Regina Tchelly, do projeto carioca Favela Orgânica. Juntas, deram uma aula de vivência e culinária aos participantes do evento, compartilhando sua sabedoria e mostrando seu empoderamento!
Assim, em um processo de mensuração vale considerar a importância de medir e mostrar o impacto gerado dentro de um projeto social em todos os seus aspectos. Quando medimos e temos dados palpáveis, conseguimos multiplicar esta informação e mostrar que é possível gerar impacto social, sim, e que ele tem diversas camadas de profundidade. Isso, aliado à outras ações de captação e divulgação, traz holofotes para a causa e atrai influenciadores e financiadores e facilita a replicabilidade dos projetos.
Essa discussão foi parte de uma roda de conversa sobre impacto do nosso último Cafezim com parceiros e amigos. A Raízes contou no site um pouco de como foi essa ação. Para fechar, concluímos sobre o quanto esse trabalho é transformador… o tempo todo. Ele impacta os beneficiários, mas tanto quanto todo o ecossistema envolvido, incluindo nós mesmos e nossas redes.
Que sigamos impactando e sendo impactados positivamente!
A ciência pode classificar
e nomear os órgãos de um sabiá
mas não pode medir seus encantos
A ciência não pode calcular
quantos cavalos de força existem
nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação
perde o condão de adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam.
Manoel de Barros
Por Tauana Costa
FOTO: Micael Hocherman