Estamos em março, mundialmente considerado mês da mulher. “Não queremos rosas, queremos igualdade” foi nosso mantra nas redes sociais e nas relações pessoais. O Brasil tem feito bonito em alguns pontos, como o destaque nas publicações científicas femininas ressaltado pela Forbes. Mas ainda tem índices vergonhosos de violência: 1,4 milhões (3%) de mulheres brasileiras do total sofreram espancamento ou tentativa de estrangulamento e 1% levou pelo menos um tiro em 2016.
Os dados são de uma pesquisa do Datafolha divulgada no último dia 8, o Dia Internacional da Mulher. Os números mostram ainda que 22% das brasileiras sofreram ofensa verbal no ano passado, um total de 12 milhões de mulheres. Outras 10% sofreram ameaça de violência física; 8% ofensa sexual; 4% ameaça com faca ou arma de fogo. Triste realidade.
Na Raízes trabalhamos de forma muito integrada com o turismo, uma atividade humana de grande poder transformador para o bem e para o mal. Todo grande poder tem suas grandes responsabilidade e ambiguidades, não é mesmo?
E como turismo vem apoiando (ou não) a diminuição das desigualdades de gênero?
Existem várias faces desse debate. Uma muito importante diz respeito a mulher no mercado de trabalho, já que ainda nossos salários são inferiores ao dos homens no mundo inteiro. E isso não é diferente no turismo.
Esse setor tem, inclusive, questões trabalhistas complexas, independente de gênero. Subemprego em hotéis, restaurantes e cruzeiros tem sido tema recorrente de estudo e protesto de entidades de classe. E como sempre, para as mulheres a situação ainda é um pouco pior.
Mas para focar em um único e imenso problema, trataremos da exploração sexual.
O turismo sexual e a mulher como atrativo
Até poucos anos atrás, a nossa publicidade oficial de turismo no Brasil, como os cartões postais exibia mulheres seminuas usando biquínis fio-dental nas praias cariocas ou fantasias de carnaval. Mas em 2009, a deputada estadual Alice Tamborideguy elaborou um projeto de lei que proibiu desde então a veiculação, exposição e venda de postais turísticos com fotos de mulheres em trajes sumários que não mantenham relação ou não estejam inseridas na imagem original dos cartões-postais.
Felizmente o mundo evoluiu. De modo geral, as mulheres ganharam mais voz e estão gritando cada vez mais alto. O reflexo disso está não só no turismo, mas na publicidade de forma geral. Afinal, grandes marcas de cerveja, como a Skol – que fez uma campanha totalmente desconstruída do padrão “mulheres gostosas que servem cerveja aos homens” – e até mesmo a Rede Globo – emissora de maior audiência no país que mudou a tradição de décadas da Globeleza nua, com pintura corporal, e estereotipada – se ligaram de que era preciso se atualizar.
Recentemente, ao participar do Transforming Tourism – Tourism in the Agenda 2030, conheci Rebecca Amstrong. No evento, tanto eu quanto ela tivemos a oportunidade de debater e co-criar a Declaração de Berlim como sociedade civil. Rebecca gerencia as mídias sociais da Equality in Tourism, uma organização independente e sem fins lucrativos que se dedica a garantir que as mulheres tenham uma voz igualitária e compartilhem dos benefícios do turismo globalmente.
Conhecê-la pessoalmente foi a grande inspiração para tratar desse tema hoje. Ainda mais depois de ler o artigo desenvolvido por uma das diretoras da organização, Daniela Moreno Alarcón, para o compêndio sobre como o turismo pode contribuir (ou não) para os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Um trecho do texto diz:
“A Agenda 2030 constitui uma oportunidade para posicionar a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres como um componente essencial na criação e implementação de políticas públicas. (…) Para alcançar um turismo verdadeiramente sustentável/responsável, todos os orçamentos, declarações e conhecimentos devem estar conscientes de que a igualdade entre os sexos e o empoderamento das mulheres é uma questão central. Não é um extra. Pelo contrário, faz parte integrante da iniciação, do planejamento, da execução e do monitoramento e avaliação de toda atividade, projeto ou programa sobre turismo ou relacionado a ele”.
O ODS 5 ressalta a diminuição da desigualdade de gênero como uma grande prioridade para a agenda 2030. E o turismo? Fica a reflexão.
Por Mariana Madureira