“Navegar é preciso; viver não é preciso”. Esta é uma frase que ficou eternizada na acepção de navegadores, poetas e cronistas ao longo de muitos séculos e deu margem à diversas interpretações. Não é difícil de deduzir do que ela trata e tampouco a mensagem que está implícita ao imprimir o espírito aventureiro a qual se tem por base. Ainda mais com as facilidades que temos hoje de estar em diferentes lugares em curtíssimo intervalo de tempo. O fato é que a reflexão suscitada na oração é o suficiente para “bons viageiros” e “viageiras” compreenderem seu “chamado” e a partir desta ideia começarem a repensar os significados do que é a vida e do que é preciso dentro desse processo vital. Para alguns, esse despertar (para dentro e para fora) pode ser bem precoce para outros um pouco tardio, todavia, acredito que todos chegam a este crivo em algum momento da caminhada aqui na terra. Assim, se projetar para o desconhecido pode ser doloroso, assombroso ou até mesmo delirante para quem ainda, tomando de empréstimo certa perspectiva antropológica, se encontra amarrado às suas próprias teias de significação.
Mas se nós ultrapassarmos a barreira desse medo do desconhecido e abrir o campo de visão e possibilidades, a experiência pode ser mais do que engrandecedora. Ela é, de fato, libertadora! Viajar da forma como várias pessoas têm se proposto a fazer colocando seja um “mochilão” nas costas ou trocando voluntariado por hospedagem e, assim, caminhando em direção aos diversos encontros sem se preocupar muito com que paisagem vão se deparar, com quais pessoas irão trocar informações, com que expectativas do outro lado esperar e, principalmente, sem a ansiedade da data de volta, isso pode vir a ser uma grande “onda” de acontecimentos. E nesta “onda” de descobrimentos muito do quem tem a ganhar diz respeito a nós mesmos.
Ela se revelará numa experiência ímpar que nos levará a histórias inimagináveis, a doações incríveis, a sentimentos dos quais iremos nos surpreender. Portanto, viajar é preciso!
As imagens desse percurso de viagens jamais sairão de nossas memórias e o mais legal de tudo também da memória de outras pessoas com as quais cruzamos estadias e pensamentos. Esse é um fator preponderante do aforismo grego “conhecer-te a ti mesmo” como já enfatizaram os filósofos da antiguidade, para que afinal de contas, aquilo que nos angustiava por “n” fatores ou as incertezas que pairavam sobre nossas cabeças e que não havia bem explicação se transforme na vontade perene de mover-se no mundo em busca de conhecimento e autoconhecimento. É nesse momento que escutará uma voz de dentro de si, lá no fundo, questionando: Que tipo de conhecimento agora eu quero me alimentar, que tipo de informação é preciso absorver para ter uma vida mais saudável, mais sustentável, mais economicamente viável e conectada com o fluxo real das coisas e seres ao nosso redor? Essa é a pergunta e o convite que a Raízes Desenvolvimento Sustentável vem buscando colocar em inúmeros de seus projetos por aí afora vivenciando e experimentando atitudes transformadoras.
Bem sabemos, a vulnerabilidade dos biomas naturais e as decisões econômicas de governos autoritários tem sinalizado para a necessidade urgente de levantar tais questionamentos. Comunidades tradicionais do mundo todo estão sentindo mudanças abruptas em seus ecossistemas, suas formas de expressão, suas memórias geracionais, suas condições de continuidade. Todos nós cidadãos e instituições, de alguma maneira, somos responsáveis por esse estado de coisas.
Há, nesse sentido, um duplo movimento a ser chamado atenção e que eu diria se refere a enxergar o conjunto de relações sociais e ambientais que nos cercam e que podem estar em vias de colapso se algo não for realizado logo e o outro pode ser visto como um espelho que transparece o que temos feito de nós mesmos diante de tudo isso.
Eis, uma escolha rica e das mais importantes em nossas vidas. É hora de fazer o mundo nos enxergar de forma co-participativa, deixar contar nossas estórias e compartilhar fracassos e sucessos, transpor o sfumato da negatividade e do ego, que convenhamos não é tarefa fácil. Portanto e repito viajar é preciso! Viajando traçamos nossas linhas de vida, nossas interações ambientais, nossa constituição enquanto sujeitos-aprendizes, constantemente aprendizes. Para assim, algum dia poder compartilhar e quem sabe trazer ensinamentos profundos, mas nunca deixar de ser aprendizes. Ter a grandeza de ser pequeno diante do campo dos possíveis, do diverso, do fluxo variável das culturas, dos sonhos, da imaginação criativa se for esse o objetivo. Fazer a diferença transformadora, atentos ao ambiente e seu meio social, esse pode ser um lema crucial em nossas viagens a partir de agora.
por Dárnisson Viana
Antropólogo
08.05.2019 – Curitiba-PR
Foto: Micael Hocherman (durante uma das expedições do Dona do Meu Fluxo na Amazônia)