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Desafios e oportunidades do etnoturismo em território indígena no Brasil

Desafios e oportunidades do etnoturismo em território indígena no Brasil

Por 19 de abril de 2023outubro 21st, 2024Projects

Hoje, 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas. Convidamos dois indígenas de diferentes territórios nacionais para conversar um pouco sobre os desafios e oportunidades do etnoturismo em território indígena no Brasil.  

Os desafios vivenciados por eles são diferentes, mas têm pontos em comum: a necessidade de buscar trabalhos fora de suas aldeias, o receio pelos conflitos por território, ter visibilidade, o desenvolvimento e profissionalização do etnoturismo e a busca pelo apoio formal dos órgãos públicos. Os benefícios, por sua vez, são muitos: a geração de renda para a comunidade local, a preservação da natureza, o resgate e a reafirmação da cultura, especialmente no que diz respeito às novas gerações.

Confira a seguir o que disseram nesta entrevista. 

Manuhã Pataxó

Eduardo Ferreira, Manuhã Pataxó, é um jovem de 20 anos da Aldeia Tibá, que fica dentro do território indigena Comexatibá,  na vila de Cumuruxatiba, no Sul da Bahia. Ele é um dos fomentadores da Tibá Etnoturismo – empreendimento de base comunitária que oferece experiências em que os visitantes conhecem a história e a cultura Pataxó.

Raízes DS: Você pode contextualizar pra gente um pouco das suas vivências?

Manuhã Pataxó: Eu trabalho aos finais de semana em um estabelecimento em Cumuruxatiba, na vila, de garçom. E aí quando tem evento na Aldeia, eu vou lá na Aldeia. Porque na Aldeia é de manhã e o trabalho fora da aldeia é à noite, aí é tranquilo por conta dos eventos. E agora eu fui credenciado, ano passado, como condutor de visitantes pelo Parque Nacional do Descobrimento. Mas é uma coisa que eu ainda estou no engajamento para poder focar só em mim mesmo. Eu quero fundar a minha própria empresa e trabalhar com turismo e etnoturismo aqui em Cumuru, sem precisar ficar trabalhando pros outros. Essa é a minha meta para agora. (…) Eu sou bem flexível no meu trabalho, sabe? Garçom, guia e condutor de visitante lá dentro da aldeia. 

Raízes DS: E na Tibá Etnoturismo, você também contribui com os roteiros, como é que funciona?

Manuhã Pataxó: Sim. Na Tibá são três guias: eu, meu tio, cacique Zé Fragoso, e o vice-cacique que é meu tio também, Benedito Conceição Ferreira. E aí a gente vai revezando… um vai na frente, outro no meio, outro atrás. E aí, na hora das trilhas, a gente para e fala um pouco de cada história que tem ali em determinado lugar. Então, somos só nós três que trabalhamos com esse papel de guia lá dentro da aldeia e a gente também puxa a roda do Awê, do toré, que é dança. 

Raízes DS: E como funciona, é uma visitação de um dia ou as pessoas já passam a noite lá também?

Manuhã Pataxó: Ainda não passam a noite. A gente tem uma programação lá pra visitar às 9h da manhã e aí vai até mais ou menos meio dia, até depois do almoço. Normalmente, a gente leva a galera para conhecer a trilha, aí lá na trilha tem a dança sagrada do nosso povo Pataxó, que é o Auê, o toré. E lá a gente faz contação de histórias. Depois, a gente volta lá para a sede da Oca da minha bisavó, Zabelê Pataxó, que foi uma grande guerreira aqui do nosso povo, e é onde a gente se inspira. 

É muito bom saber um pouco da história dela. E aí, na volta, quando a quantidade de gente é grande, a gente oferece almoço. Assamos um tradicional peixe na folha da patioba. E aí, nessa confraternização com todo mundo, a gente se conhece mais, cada um se apresenta, conta um pouco da sua história. Depois desse momento do almoço, a gente encerra e libera a galera pra voltar pra Vila de Cumuru.

Raízes DS: Quais são os desafios que você enxerga hoje para o etnoturismo na sua aldeia especificamente?

Manuhã Pataxó: Um dos grandes desafios no começo foi essa sinalização de como chegar na nossa aldeia e ter um site legal. Hoje, graças à mentoria que a gente fez junto da Raízes e da galera da CI-Brasil, veio um capital semente e a gente conseguiu essa sinalização e criar o nosso site. E depois disso, graças a Deus, já pulamos essa etapa. 

Mas outro desafio é trazer pra Vila essa conscientização de que, quando o visitante vier de fora conhecer a nossa vila de Cumuru, saber que não tem só mar. Tem essa parte da mata, tem essa parte tradicional, cultural, de nós, povos indígenas, porque hoje ainda é muito comum da galera que está vindo pra Cumuru não saber que isso aqui é Território Indígena. Então, eu acho que falta um pouco essa visibilidade da própria parte da Vila de Cumuru, sabe? Porque a gente sente que se enriquecer [o etnoturismo], todo mundo tende a ganhar – desde o pousadeiro que recebe a galera lá, porque eles vão querer vir pra aldeia e vão passar mais dias aqui. Então, todo mundo vai se ajudar.

E quando a galera tiver essa visão, eu acho que as coisas vão ser melhores. Ainda a procura é muito pequena pelo nível de coisas que a gente tem pra mostrar. Por isso, acho que falta mais uma divulgação pela parte da Vila, falta esse diálogo. (…)

Lá na minha comunidade, a galera é bem unida. Então toda vez que tem evento, a galera se reúne para receber. 

Raízes DS: Você tem uma ideia de qual é o perfil do turista que visita vocês?

Manuhã Pataxó: O perfil, graças a Deus, é muito excepcional, porque, tipo assim, eu costumo dizer pra eles, quando estão lá visitando, eu agradeço a eles porque normalmente todo mundo que vai visitar uma comunidade indígena já vai com um olhar diferente, um olhar sustentável, um olhar de proteger a mãe natureza. É isso que a gente mais prega lá: que mais vale uma árvore em pé do que ela deitada, não é? 

Então, a nossa maior riqueza lá é ter a nossa mata. E a gente passa isso para os turistas também. E a maioria dos turistas tem esse perfil de olhar para a natureza com cuidado, com amor, com carinho e saber que a gente depende dela para a nossa sobrevivência. Então, a gente trata ela como mãezona, a mãe terra. E se a gente ama, a gente não joga produto químico na nossa mãe, a nossa mãe não é maltratada, não derruba e não tira nada além do necessário dela. 

Raízes DS: E quais são os benefícios que você enxerga para a aldeia, para a sua comunidade, profissionalizando o etnoturismo?

Manuhã Pataxó: Ó, seguinte: os pontos positivos, além da remuneração da galera, que a gente já está conseguindo fazer, mesmo que seja pouco – mas tá tipo “hoje você dançou o Awê, então você está sendo recompensado por isso” -, eu acho que é a união que o nosso povo está tendo. Todo mundo está ali de mão dada, mesmo com todas as dificuldades que a gente enfrenta, a gente se reúne para ser feliz, para receber essa galera de fora. Porque a maior herança que a nossa avó deixou, a minha vó Zabelê, foi esse dom de mostrar a nossa cultura, saber falar do nosso povo, da nossa língua, saber a nossa própria história e de contar a nossa história para a galera que vem de fora por nós mesmos. Porque às vezes chega lá de fora de um jeito que não é verdade, chega notícias assim que só difamam o nosso nome.

As crianças estão crescendo naquilo. Toda criança já está pedindo pros seus pais seus adereços, seu cocar, sua tanga, seu colar, seu maracá, sua miçanga, então acho que essa conscientização da criança também está sendo muito importante.

Raízes DS: Você tem algum desejo específico, com relação a alguma melhoria, mudança (num aspecto geral)?

Manuhã Pataxó: Hoje graças a Deus eu fui um dos selecionados pela Agência Pública e ganhei uma microbolsa de repórteres indígenas para poder contar um pouco do que está acontecendo aqui no nosso território. Muita gente conhece, então eu fiquei muito feliz também, porque eu sou um dos 10 jovens selecionados em todo o Brasil. Então, isso pra mim foi uma grande conquista individual, sabe? 

Mas acho que uma das coisas que eu almejo ali dentro da minha comunidade é poder tirar meu próprio sustento dali, sem depender da galera de cá de fora, da Vila. Eu acho que assim como é pra mim, eu quero pro meu primo, eu quero pra minha prima, pro meu tio, todo mundo que está ali na produção da sua arte indígena Pataxó. Todo mundo estar feliz e vivendo ali dentro. 

E pro jovem que está um pouco desanimado… saber que hoje estão pagando para visitar a nossa própria casa. Então, olha só que sensacional isso: a galera está pagando pra gente abrir a porta e eles virem visitar a nossa casa!

Raízes DS: Tem algo mais que gostaria de acrescentar?

Manuhã Pataxó: Uma coisa, essa frase aqui, ó: “Demarcação já!” Só isso. 

Denis Daniel de Oliveira

Ativista indígena do Povo Terena, Denis Daniel de Oliveira nasceu em Dourados, no Mato Grosso do Sul, e hoje vive na Aldeia  Moreira, no Território Indígena Pilad Rebuá, em Miranda, município do Mato Grosso do Sul. Seu sonho é ser turismólogo – curso que iniciou, porém pausou, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) – e ajudar os povos indígenas, seus patrícios, como diz, com projetos de desenvolvimento turístico. Fundou a agência Vamá Etnotur para tornar tudo possível, buscando o resgate das tradições e costumes ancestrais através da permacultura e dos roteiros de visitação. 

Raízes DS: Como surgiu a ideia de fomentar o etnoturismo na sua aldeia e região?

Denis Daniel: Surgiu em 2011, através de um coletivo chamado Vamá. O objetivo era mostrar a cultura, os projetos que têm se desenvolvido dentro das comunidades Terenas que ficam no município de Miranda. Somos três Territórios Indígenas divididos entre 9 a 10 aldeias, todas do Povo Terena. Porém tem umas migrações do Povo Kadiwéu, da mesma linhagem do Povo Terena, e do povo Guarani Kaiowá, que são vizinhos nossos aqui. Mas a maioria que permanece é o Povo Terena.

Esse grupo foi formado em 2010 por indígenas pesquisadores. Na época, eu estava fazendo na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul Federal o curso de Turismo. E através de algumas coisas que aconteciam no turismo local, regional aqui do município, começamos a perceber que faltava alguma ação relacionada ao etnoturismo. Isso me abrangeu muito a ideia, na universidade, porque eu pensava “como é que eu vou levar o turismo para a minha comunidade?”. 

Nós sabemos que a nossa comunidade já recebeu visitas de fora, de ações sociais, de pessoas querendo conhecer. Porém dentro do turismo, quando eu entrei na universidade, eu pensei em como trazer isso para a minha comunidade, porque o turismo trabalha muito a questão de hospedagem, de alimentos e bebidas, transporte e eu vi que tudo estava englobado dentro de uma agência [de turismo]. “Olha aí! Então, eu vou trabalhar a agência”. 

(…) A ideia de eu abrir a agência surgiu, porém até hoje eu digo que foi uma precipitação pelo fato de que precisa de um Plano de Visitação para essas comunidades.  Também foi um lado bom pelo fato de que deu aquela cutucada nos órgãos públicos e nas organizações privadas falar: são nove aldeias. De 70 % a 80% da população mirandense é indígena. São três Territórios Indígenas rodeados por outras comunidades.  Enfim, me deu a ideia de abrir a agência para dar esse direcionamento para os turistas, para os visitantes. Sabemos que a nossa comunidade já recebeu visitantes anteriormente, porém sem aquela promoção certa, aquela formalização correta que o turismo traz, sem aquela distribuição de renda, sem os dados e os levantamentos.

(…) Tentaram muitas vezes fazer o Turismo de Base Comunitária (TBC) em duas comunidades aqui, porém as iniciativas não vinham de indígenas, elas vinham de não indígenas – na nossa língua aqui é purutuias que chamamos. E muito por isso havia conflitos entre líderes e a pessoa. Até então acabou não dando certo. Então, até o Secretário de Turismo falou “não, Daniel, mas que bom que você é indígena, porque você vai ser a voz indígena aqui do etnoturismo na região”.   

Em um certo momento, a gente se sente com peso nas costas também daquela responsabilidade, daquele protagonismo. Mas aí eu comecei a perceber que o protagonismo também faz parte da questão de quando você começa a iniciar algo. São os desafios. Foram muitos e estão sendo ainda.

Raízes DS: E falando dos desafios, você já até trouxe algumas coisas, mas, por exemplo, as comunidades que ainda não estão nos roteiros, é por alguma questão específica das comunidades mesmo, das pessoas? Quais são os outros desafios? 

Denis Daniel: Seria mais pelo tempo de que deve se trabalhar passo a passo, comunidade por comunidade.  (…) As aldeias que ficam mais próximas do centro [do Território Indígena Pilad Rebuá] vêm sofrendo nos últimos anos o impacto de ter uma área urbana mais próxima da comunidade. Então a perda da língua materna, dos outros costumes, a influência de você não trabalhar mais na sua comunidade, vai sair em busca de oportunidade de renda em um mercado, em uma loja, e você sair da sua comunidade para você ter essa fonte de renda, até pelo fato de que é uma das menores comunidades, com 205 hectares.

Então, cinco hectares para uma comunidade, vamos supor, lá de Roraima ou de uma comunidade aqui é a maior, são tantos mil hectares. E nós estamos aqui para trabalhar em duas aldeias. Os agricultores já estão perdendo espaço para a produção, para produzir o seu alimento. Os jovens estão procurando oportunidades em mercados para trabalhar, experiências para sair fora para ter uma renda. A questão dos estudos, principalmente – até a questão do estudo, eu não digo tanto – mas pelo fato de que o jovem muitas vezes não tem uma universidade, não tem uma escola dentro da comunidade e precisa ir para fora para estudar.

Mas enfim, a questão da fonte de renda mesmo. Então, por ser uma comunidade com menos território, por ser mais próximo da cidade, do urbano, elas vêm sofrendo um impacto muito grande com relação à cultura, os costumes, as tradições e o desmatamento. 

(…) A comunidade Moreira é uma das que eu tenho mais intimidade. Sou magistrado na Aldeia Moreira, e com a sua visão de impacto que surgiu muito do etnoturismo trabalhar o reflorestamento e o resgate da cultura para esse povo. Então, a maior parte da questão do enoturismo atua muito no reflorestamento, do resgate da cultura do Povo Terena e vem dando certo através dos parceiros e dos líderes que vêm apoiando o nosso trabalho aqui dentro. Nós trabalhamos diretamente com as escolas estaduais e municipais para ensinar as crianças e jovens sobre o valor da nossa cultura.

(…) Um dos grandes desafios é a formalização do Plano de Visitação, pelo fato de que existe um conflito político por ser próximo da área urbana. Tem a influência política, existe a questão da oposição. Então, um líder é fechado com um, outro líder é fechado com outro. Por muito disso não existe a associação. Estamos formando uma associação agora, por toda essa nossa luta, essa nossa visão, precisamos de associação para trazer editais, para a gente fazer projetos. Nós vamos trabalhar na questão do associativismo primeiramente, do trabalho coletivo, e acredito que esse ano já tenha um pontapé inicial – mas nem por isso ‘paremos’ com as visitações. 

Eu fui à Comissão Permanente de Licitação (CPL), que é responsável pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) aqui, e conversei com ele que eu preciso de um documento que me autorize como agência. Não consegui nenhuma resposta até agora, porém mandei o documento para a Funai, enquanto não sair a associação para o Plano de Visitação, pedindo uma autorização para que eu possa estar levando esses visitantes.

(…) Mas como disse o Enoque Raposo – que foi quem deu o curso de etnoturismo aqui para nós -, da Terra Indígena de Roraima Raposa Serra do Sol, “é assim mesmo, eu tive resposta da Funai foi 10 anos, tá? Depois de 10 anos, eu tive uma resposta falando. Só que assim, foi importante porque através de mim outras comunidades começaram a fazer o Plano de Visitação e sair antes de cinco meses”. Então, ele começou o movimento, e através do que ele fez, deu uma agilizada para os outros. É uma coisa que eu consigo ter aqui agora.

Raízes DS: Você já até comentou um pouco sobre a geração de renda e sobre as pessoas levarem a vida dentro da própria comunidade. Quais outros benefícios você enxerga pelo etnoturismo?

Denis Daniel: Tirando a fonte da geração de renda, eu acho que poderia citar também a questão do território, de que o modo como nós lidamos com o território é muito diferente do que um produtor de agronegócio. Eu acho que esse já seria um benefício, na conquista dos territórios, até na questão da natureza. 

A gente não pode trabalhar com uma comunidade que não é totalmente terra indígena. Tem uma comunidade aqui, que a Aldeia Mãe Terra, que tem 75% declarada indígena, porém essa comunidade não pode estar recebendo turista, não pode fazer um Plano de Visitação, porque ela é uma comunidade que não está formalizada ainda como Território Indígena, então através do etnoturismo, apresentando as questões ambientais de educação ambiental, mostrando uma outra visão que o indígena tem sobre terra, isso poderia ser de uma certa forma um benefício para comunidade. (…) É um argumento para a formalização. 

Ambos os negócios foram acelerados pela Raízes no projeto de Aceleração de Negócios da Sociobiodiversidade, idealizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Brasil e apoiado pelo Instituto humanize. A Tibá também fez parte do grupo mentorado pelo projeto Turismo + Sustentável, o qual fomos parceira executiva da CI e da WWF-Brasil. 

Hoje, 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas. Convidamos dois indígenas de diferentes territórios nacionais para conversar um pouco sobre os desafios e oportunidades do etnoturismo em território indígena no Brasil.  

Os desafios vivenciados por eles são diferentes, mas têm pontos em comum: a necessidade de buscar trabalhos fora de suas aldeias, o receio pelos conflitos por território, ter visibilidade, o desenvolvimento e profissionalização do etnoturismo e a busca pelo apoio formal dos órgãos públicos. Os benefícios, por sua vez, são muitos: a geração de renda para a comunidade local, a preservação da natureza, o resgate e a reafirmação da cultura, especialmente no que diz respeito às novas gerações.

Confira a seguir o que disseram nesta entrevista. 

Manuhã Pataxó

Eduardo Ferreira, Manuhã Pataxó, é um jovem de 20 anos da Aldeia Tibá, que fica dentro do território indigena Comexatibá,  na vila de Cumuruxatiba, no Sul da Bahia. Ele é um dos fomentadores da Tibá Etnoturismo – empreendimento de base comunitária que oferece experiências em que os visitantes conhecem a história e a cultura Pataxó.

Raízes DS: Você pode contextualizar pra gente um pouco das suas vivências?

Manuhã Pataxó: Eu trabalho aos finais de semana em um estabelecimento em Cumuruxatiba, na vila, de garçom. E aí quando tem evento na Aldeia, eu vou lá na Aldeia. Porque na Aldeia é de manhã e o trabalho fora da aldeia é à noite, aí é tranquilo por conta dos eventos. E agora eu fui credenciado, ano passado, como condutor de visitantes pelo Parque Nacional do Descobrimento. Mas é uma coisa que eu ainda estou no engajamento para poder focar só em mim mesmo. Eu quero fundar a minha própria empresa e trabalhar com turismo e etnoturismo aqui em Cumuru, sem precisar ficar trabalhando pros outros. Essa é a minha meta para agora. (…) Eu sou bem flexível no meu trabalho, sabe? Garçom, guia e condutor de visitante lá dentro da aldeia. 

Raízes DS: E na Tibá Etnoturismo, você também contribui com os roteiros, como é que funciona?

Manuhã Pataxó: Sim. Na Tibá são três guias: eu, meu tio, cacique Zé Fragoso, e o vice-cacique que é meu tio também, Benedito Conceição Ferreira. E aí a gente vai revezando… um vai na frente, outro no meio, outro atrás. E aí, na hora das trilhas, a gente para e fala um pouco de cada história que tem ali em determinado lugar. Então, somos só nós três que trabalhamos com esse papel de guia lá dentro da aldeia e a gente também puxa a roda do Awê, do toré, que é dança. 

Raízes DS: E como funciona, é uma visitação de um dia ou as pessoas já passam a noite lá também?

Manuhã Pataxó: Ainda não passam a noite. A gente tem uma programação lá pra visitar às 9h da manhã e aí vai até mais ou menos meio dia, até depois do almoço. Normalmente, a gente leva a galera para conhecer a trilha, aí lá na trilha tem a dança sagrada do nosso povo Pataxó, que é o Auê, o toré. E lá a gente faz contação de histórias. Depois, a gente volta lá para a sede da Oca da minha bisavó, Zabelê Pataxó, que foi uma grande guerreira aqui do nosso povo, e é onde a gente se inspira. 

É muito bom saber um pouco da história dela. E aí, na volta, quando a quantidade de gente é grande, a gente oferece almoço. Assamos um tradicional peixe na folha da patioba. E aí, nessa confraternização com todo mundo, a gente se conhece mais, cada um se apresenta, conta um pouco da sua história. Depois desse momento do almoço, a gente encerra e libera a galera pra voltar pra Vila de Cumuru.

Raízes DS: Quais são os desafios que você enxerga hoje para o etnoturismo na sua aldeia especificamente?

Manuhã Pataxó: Um dos grandes desafios no começo foi essa sinalização de como chegar na nossa aldeia e ter um site legal. Hoje, graças à mentoria que a gente fez junto da Raízes e da galera da CI-Brasil, veio um capital semente e a gente conseguiu essa sinalização e criar o nosso site. E depois disso, graças a Deus, já pulamos essa etapa. 

Mas outro desafio é trazer pra Vila essa conscientização de que, quando o visitante vier de fora conhecer a nossa vila de Cumuru, saber que não tem só mar. Tem essa parte da mata, tem essa parte tradicional, cultural, de nós, povos indígenas, porque hoje ainda é muito comum da galera que está vindo pra Cumuru não saber que isso aqui é Território Indígena. Então, eu acho que falta um pouco essa visibilidade da própria parte da Vila de Cumuru, sabe? Porque a gente sente que se enriquecer [o etnoturismo], todo mundo tende a ganhar – desde o pousadeiro que recebe a galera lá, porque eles vão querer vir pra aldeia e vão passar mais dias aqui. Então, todo mundo vai se ajudar.

E quando a galera tiver essa visão, eu acho que as coisas vão ser melhores. Ainda a procura é muito pequena pelo nível de coisas que a gente tem pra mostrar. Por isso, acho que falta mais uma divulgação pela parte da Vila, falta esse diálogo. (…)

Lá na minha comunidade, a galera é bem unida. Então toda vez que tem evento, a galera se reúne para receber. 

Raízes DS: Você tem uma ideia de qual é o perfil do turista que visita vocês?

Manuhã Pataxó: O perfil, graças a Deus, é muito excepcional, porque, tipo assim, eu costumo dizer pra eles, quando estão lá visitando, eu agradeço a eles porque normalmente todo mundo que vai visitar uma comunidade indígena já vai com um olhar diferente, um olhar sustentável, um olhar de proteger a mãe natureza. É isso que a gente mais prega lá: que mais vale uma árvore em pé do que ela deitada, não é? 

Então, a nossa maior riqueza lá é ter a nossa mata. E a gente passa isso para os turistas também. E a maioria dos turistas tem esse perfil de olhar para a natureza com cuidado, com amor, com carinho e saber que a gente depende dela para a nossa sobrevivência. Então, a gente trata ela como mãezona, a mãe terra. E se a gente ama, a gente não joga produto químico na nossa mãe, a nossa mãe não é maltratada, não derruba e não tira nada além do necessário dela. 

Raízes DS: E quais são os benefícios que você enxerga para a aldeia, para a sua comunidade, profissionalizando o etnoturismo?

Manuhã Pataxó: Ó, seguinte: os pontos positivos, além da remuneração da galera, que a gente já está conseguindo fazer, mesmo que seja pouco – mas tá tipo “hoje você dançou o Awê, então você está sendo recompensado por isso” -, eu acho que é a união que o nosso povo está tendo. Todo mundo está ali de mão dada, mesmo com todas as dificuldades que a gente enfrenta, a gente se reúne para ser feliz, para receber essa galera de fora. Porque a maior herança que a nossa avó deixou, a minha vó Zabelê, foi esse dom de mostrar a nossa cultura, saber falar do nosso povo, da nossa língua, saber a nossa própria história e de contar a nossa história para a galera que vem de fora por nós mesmos. Porque às vezes chega lá de fora de um jeito que não é verdade, chega notícias assim que só difamam o nosso nome.

As crianças estão crescendo naquilo. Toda criança já está pedindo pros seus pais seus adereços, seu cocar, sua tanga, seu colar, seu maracá, sua miçanga, então acho que essa conscientização da criança também está sendo muito importante.

Raízes DS: Você tem algum desejo específico, com relação a alguma melhoria, mudança (num aspecto geral)?

Manuhã Pataxó: Hoje graças a Deus eu fui um dos selecionados pela Agência Pública e ganhei uma microbolsa de repórteres indígenas para poder contar um pouco do que está acontecendo aqui no nosso território. Muita gente conhece, então eu fiquei muito feliz também, porque eu sou um dos 10 jovens selecionados em todo o Brasil. Então, isso pra mim foi uma grande conquista individual, sabe? 

Mas acho que uma das coisas que eu almejo ali dentro da minha comunidade é poder tirar meu próprio sustento dali, sem depender da galera de cá de fora, da Vila. Eu acho que assim como é pra mim, eu quero pro meu primo, eu quero pra minha prima, pro meu tio, todo mundo que está ali na produção da sua arte indígena Pataxó. Todo mundo estar feliz e vivendo ali dentro. 

E pro jovem que está um pouco desanimado… saber que hoje estão pagando para visitar a nossa própria casa. Então, olha só que sensacional isso: a galera está pagando pra gente abrir a porta e eles virem visitar a nossa casa!

Raízes DS: Tem algo mais que gostaria de acrescentar?

Manuhã Pataxó: Uma coisa, essa frase aqui, ó: “Demarcação já!” Só isso. 

Denis Daniel de Oliveira

Ativista indígena do Povo Terena, Denis Daniel de Oliveira nasceu em Dourados, no Mato Grosso do Sul, e hoje vive na Aldeia  Moreira, no Território Indígena Pilad Rebuá, em Miranda, município do Mato Grosso do Sul. Seu sonho é ser turismólogo – curso que iniciou, porém pausou, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) – e ajudar os povos indígenas, seus patrícios, como diz, com projetos de desenvolvimento turístico. Fundou a agência Vamá Etnotur para tornar tudo possível, buscando o resgate das tradições e costumes ancestrais através da permacultura e dos roteiros de visitação. 

Raízes DS: Como surgiu a ideia de fomentar o etnoturismo na sua aldeia e região?

Denis Daniel: Surgiu em 2011, através de um coletivo chamado Vamá. O objetivo era mostrar a cultura, os projetos que têm se desenvolvido dentro das comunidades Terenas que ficam no município de Miranda. Somos três Territórios Indígenas divididos entre 9 a 10 aldeias, todas do Povo Terena. Porém tem umas migrações do Povo Kadiwéu, da mesma linhagem do Povo Terena, e do povo Guarani Kaiowá, que são vizinhos nossos aqui. Mas a maioria que permanece é o Povo Terena.

Esse grupo foi formado em 2010 por indígenas pesquisadores. Na época, eu estava fazendo na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul Federal o curso de Turismo. E através de algumas coisas que aconteciam no turismo local, regional aqui do município, começamos a perceber que faltava alguma ação relacionada ao etnoturismo. Isso me abrangeu muito a ideia, na universidade, porque eu pensava “como é que eu vou levar o turismo para a minha comunidade?”. 

Nós sabemos que a nossa comunidade já recebeu visitas de fora, de ações sociais, de pessoas querendo conhecer. Porém dentro do turismo, quando eu entrei na universidade, eu pensei em como trazer isso para a minha comunidade, porque o turismo trabalha muito a questão de hospedagem, de alimentos e bebidas, transporte e eu vi que tudo estava englobado dentro de uma agência [de turismo]. “Olha aí! Então, eu vou trabalhar a agência”. 

(…) A ideia de eu abrir a agência surgiu, porém até hoje eu digo que foi uma precipitação pelo fato de que precisa de um Plano de Visitação para essas comunidades.  Também foi um lado bom pelo fato de que deu aquela cutucada nos órgãos públicos e nas organizações privadas falar: são nove aldeias. De 70 % a 80% da população mirandense é indígena. São três Territórios Indígenas rodeados por outras comunidades.  Enfim, me deu a ideia de abrir a agência para dar esse direcionamento para os turistas, para os visitantes. Sabemos que a nossa comunidade já recebeu visitantes anteriormente, porém sem aquela promoção certa, aquela formalização correta que o turismo traz, sem aquela distribuição de renda, sem os dados e os levantamentos.

(…) Tentaram muitas vezes fazer o Turismo de Base Comunitária (TBC) em duas comunidades aqui, porém as iniciativas não vinham de indígenas, elas vinham de não indígenas – na nossa língua aqui é purutuias que chamamos. E muito por isso havia conflitos entre líderes e a pessoa. Até então acabou não dando certo. Então, até o Secretário de Turismo falou “não, Daniel, mas que bom que você é indígena, porque você vai ser a voz indígena aqui do etnoturismo na região”.   

Em um certo momento, a gente se sente com peso nas costas também daquela responsabilidade, daquele protagonismo. Mas aí eu comecei a perceber que o protagonismo também faz parte da questão de quando você começa a iniciar algo. São os desafios. Foram muitos e estão sendo ainda.

Raízes DS: E falando dos desafios, você já até trouxe algumas coisas, mas, por exemplo, as comunidades que ainda não estão nos roteiros, é por alguma questão específica das comunidades mesmo, das pessoas? Quais são os outros desafios? 

Denis Daniel: Seria mais pelo tempo de que deve se trabalhar passo a passo, comunidade por comunidade.  (…) As aldeias que ficam mais próximas do centro [do Território Indígena Pilad Rebuá] vêm sofrendo nos últimos anos o impacto de ter uma área urbana mais próxima da comunidade. Então a perda da língua materna, dos outros costumes, a influência de você não trabalhar mais na sua comunidade, vai sair em busca de oportunidade de renda em um mercado, em uma loja, e você sair da sua comunidade para você ter essa fonte de renda, até pelo fato de que é uma das menores comunidades, com 205 hectares.

Então, cinco hectares para uma comunidade, vamos supor, lá de Roraima ou de uma comunidade aqui é a maior, são tantos mil hectares. E nós estamos aqui para trabalhar em duas aldeias. Os agricultores já estão perdendo espaço para a produção, para produzir o seu alimento. Os jovens estão procurando oportunidades em mercados para trabalhar, experiências para sair fora para ter uma renda. A questão dos estudos, principalmente – até a questão do estudo, eu não digo tanto – mas pelo fato de que o jovem muitas vezes não tem uma universidade, não tem uma escola dentro da comunidade e precisa ir para fora para estudar.

Mas enfim, a questão da fonte de renda mesmo. Então, por ser uma comunidade com menos território, por ser mais próximo da cidade, do urbano, elas vêm sofrendo um impacto muito grande com relação à cultura, os costumes, as tradições e o desmatamento. 

(…) A comunidade Moreira é uma das que eu tenho mais intimidade. Sou magistrado na Aldeia Moreira, e com a sua visão de impacto que surgiu muito do etnoturismo trabalhar o reflorestamento e o resgate da cultura para esse povo. Então, a maior parte da questão do enoturismo atua muito no reflorestamento, do resgate da cultura do Povo Terena e vem dando certo através dos parceiros e dos líderes que vêm apoiando o nosso trabalho aqui dentro. Nós trabalhamos diretamente com as escolas estaduais e municipais para ensinar as crianças e jovens sobre o valor da nossa cultura.

(…) Um dos grandes desafios é a formalização do Plano de Visitação, pelo fato de que existe um conflito político por ser próximo da área urbana. Tem a influência política, existe a questão da oposição. Então, um líder é fechado com um, outro líder é fechado com outro. Por muito disso não existe a associação. Estamos formando uma associação agora, por toda essa nossa luta, essa nossa visão, precisamos de associação para trazer editais, para a gente fazer projetos. Nós vamos trabalhar na questão do associativismo primeiramente, do trabalho coletivo, e acredito que esse ano já tenha um pontapé inicial – mas nem por isso ‘paremos’ com as visitações. 

Eu fui à Comissão Permanente de Licitação (CPL), que é responsável pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) aqui, e conversei com ele que eu preciso de um documento que me autorize como agência. Não consegui nenhuma resposta até agora, porém mandei o documento para a Funai, enquanto não sair a associação para o Plano de Visitação, pedindo uma autorização para que eu possa estar levando esses visitantes.

(…) Mas como disse o Enoque Raposo – que foi quem deu o curso de etnoturismo aqui para nós -, da Terra Indígena de Roraima Raposa Serra do Sol, “é assim mesmo, eu tive resposta da Funai foi 10 anos, tá? Depois de 10 anos, eu tive uma resposta falando. Só que assim, foi importante porque através de mim outras comunidades começaram a fazer o Plano de Visitação e sair antes de cinco meses”. Então, ele começou o movimento, e através do que ele fez, deu uma agilizada para os outros. É uma coisa que eu consigo ter aqui agora.

Raízes DS: Você já até comentou um pouco sobre a geração de renda e sobre as pessoas levarem a vida dentro da própria comunidade. Quais outros benefícios você enxerga pelo etnoturismo?

Denis Daniel: Tirando a fonte da geração de renda, eu acho que poderia citar também a questão do território, de que o modo como nós lidamos com o território é muito diferente do que um produtor de agronegócio. Eu acho que esse já seria um benefício, na conquista dos territórios, até na questão da natureza. 

A gente não pode trabalhar com uma comunidade que não é totalmente terra indígena. Tem uma comunidade aqui, que a Aldeia Mãe Terra, que tem 75% declarada indígena, porém essa comunidade não pode estar recebendo turista, não pode fazer um Plano de Visitação, porque ela é uma comunidade que não está formalizada ainda como Território Indígena, então através do etnoturismo, apresentando as questões ambientais de educação ambiental, mostrando uma outra visão que o indígena tem sobre terra, isso poderia ser de uma certa forma um benefício para comunidade. (…) É um argumento para a formalização. 

Ambos os negócios foram acelerados pela Raízes no projeto de Aceleração de Negócios da Sociobiodiversidade, idealizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Brasil e apoiado pelo Instituto humanize. A Tibá também fez parte do grupo mentorado pelo projeto Turismo + Sustentável, o qual fomos parceira executiva da CI e da WWF-Brasil.