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Resiliência — reflexões sobre esta habilidade socioemocional em meio à crise climática

Crise Climática

Em 2012, Joanna Macy publicou o livro Active Hope, que já alertava para a gravidade da crise climática. Muito antes, Arne Naess, no início do século passado, já falava sobre a conexão direta entre todos os elementos e seres existentes no planeta. Inúmeras pesquisas científicas com dados sólidos mostram que a Terra está em estado de calamidade. 

Apesar dos desastres climáticos e das pesquisas científicas, ainda em 2024 há pessoas que não acreditam que o planeta está em pleno desequilíbrio. A crise climática já deixou de ser uma possibilidade; é um fato. Ainda assim, o ser humano continua a adotar práticas destrutivas. Embora exista uma parcela, ainda que pequena, que tenta implementar novos comportamentos e políticas para minimizar o impacto sobre a natureza, a situação atual já é grave e será ainda pior para as próximas gerações. Se fazendo necessário que senão todos a grande maioria da população mundial se engaje com a mudança de comportamento.

Como seres humanos, com emoções e capacidade de reflexão, diante de nossa atual condição convivemos com sentimentos como ansiedade, desesperança, desespero e impotência. A negação, que ocorre frente a realidades difíceis de lidar, também é uma reação que distancia tanto do problema quanto da solução. Neste artigo, reflito sobre quais emoções e habilidades podemos desenvolver para seguir inspirados e motivados a avançar, mesmo que o cenário possa parecer desesperador.

Resiliência e esperança

Para compreender a resiliência, é preciso compreender a esperança. Esse é um sentimento único dos seres humanos, que nos ajuda a seguir em frente, dando força e motivação. A esperança move para o futuro, para olhar com crença algo que irá acontecer. Ela alimenta a resiliência, que é a energia para continuar agindo, mesmo quando tudo parece desmoronar.

A palavra esperança tem dois diferentes sentidos.

O primeiro envolve quase uma certeza de que o que se espera irá de fato acontecer. Esse tipo é necessário antes de se comprometer com a ação. Quando não há um pouco de esperança de que aquilo que se espera possa acontecer, percebe-se que as ações ficam bloqueadas. 

O segundo sentido é sobre desejo. Esse é o tipo que impulsiona a jornada, quando se sabe claramente o que se deseja, e que será realizado, há motivação para começar. Esse desejo é o que motiva a fazer a diferença. “Por isso, é importante que as ações estejam conectadas com um desejo futuro, com a esperança de que irá se realizar”, diz Macy em seu livro.

Esperança passiva é esperar que agentes externos realizem o que se deseja. Esperança ativa, é tornar-se participante ativo na realização do que se espera. Esperança ativa é prática.

De onde vêm?

Resiliência, do latim resilio, significa saltar para trás, voltar; retirar-se sobre si mesmo, encolher, reduzir-se, recuar. O termo “resiliência” entrou no campo da psicologia e no conhecimento popular no fim da década de 1990. Nos dicionários, seu significado técnico está ligado à física. 

O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define resiliência como: “propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora de uma deformação elástica. Resistência ao choque”. 

É a capacidade de um material de “absorver energia na região elástica” (Nash, 1982, p. 5), sendo esse capaz de voltar à forma original, quando finda a causa de sua deformação. “É a capacidade do material estrutural suportar um impacto sem ficar deformado permanentemente” (Beer e Johnston, 1981/1989).

O conceito de “resiliência” na psicologia e o comportamento humano foi tomado das ciências exatas, especificamente do campo da resistência dos materiais. Em relação ao comportamento humano, a palavra tem a ver com resistência ao estresse e processos de recuperação e superação de abalos emocionais causados pelo estresse.

A esperança faz acreditar que algo irá acontecer; a resiliência mantém a resistência ao estresse oriundo da jornada para a realização do desejo. No meio de tantas adversidades e um futuro quase catastrófico, é preciso aprender a olhar com novos olhos, reconectar com a esperança — não uma esperança idealista, mas uma esperança realista, que mostra o que de fato se deseja para promover ações factíveis que gerem motivação de seguir em frente.

Práticas resilientes para lidar com a crise climática

Macy é uma ativista ambiental que desenvolveu o conceito de “esperança ativa” e o “trabalho que reconecta”. São formas de nos conectarmos com toda a teia da vida na Terra e agirmos com mais responsabilidade perante o futuro, já que estamos “todos no mesmo barco”, na mesma Terra.

Há três passos propostos pelas autora para aplicar em qualquer situação:

  • Ter uma clara visão da realidade
  • Identificar o que se espera, qual direção se mover e quais valores se expressar
  • Estabelecer ações para realizar

Esses passos estão em diversos modelos de gestão e planejamento de projetos e parecem óbvios. Mas há uma grande distância entre compreender mentalmente o óbvio e trazer para a ação. A visão clara da realidade deve ser o primeiro passo para desenvolver a resiliência. 

Ver a realidade pode diminuir a esperança ou gerar comportamentos negacionistas. Esse deve ser o primeiro enfrentamento. A realidade está cada vez mais difícil. No Brasil, o governo federal mapeou 1.942 municípios suscetíveis a desastres associados a deslizamentos de terras, alagamentos, enxurradas e inundações, o que representa quase 35% do total dos municípios brasileiros. As áreas dentro dessas 1,9 mil cidades consideradas em risco concentram mais de 8,9 milhões de brasileiros, o que representa 6% da população nacional. Os dados são da Agência Brasil

Estamos nos deparando com mudanças na vida cotidiana devido a fatores climáticos, atualmente é comum muitas cidades enfrentarem grandes engarrafamentos devido a alagamentos e chuvas fora de época.

Tempos de crise climática pedem cooperação, inovação e solidariedade

Ver a realidade pode ativar a esperança ativa, que não requer otimismo, mas uma atitude pessoal e ativa para mudar uma realidade, mesmo em situações em que haja desesperança. O que impulsiona é a intenção. Há uma escolha sobre o que se quer agir ou expressar. Mais do que pesar as chances e agir somente quando há esperança, o foco está na intenção e em se permitir ser guiado por ela (Macy, Active Hope).

Essa maneira de ver ajuda a restaurar o senso de conexão com a vida. Então, começa um trabalho interno para desenvolver recursos pessoais e fortalecer a capacidade de enfrentar situações perturbadoras e responder com resiliência.

Para viver em tempos de mudança climática, a resiliência deve ser entendida não apenas como uma habilidade individual, mas também como uma capacidade coletiva. Comunidades resilientes são aquelas que se adaptam às mudanças climáticas através da cooperação, inovação e solidariedade. Exemplos incluem a criação de redes de apoio mútuo, a implementação de práticas sustentáveis e a promoção de energia renovável. 

Pessoas resilientes com esperança ativa constroem comunidades resilientes, sendo de extrema importância ser fortalecida pela educação e conscientização sobre as mudanças climáticas. Programas educacionais que ensinam sobre os impactos do clima, bem como formas de mitigação e adaptação, são essenciais. A integração de conhecimentos tradicionais e científicos pode proporcionar uma abordagem sistêmica para enfrentar tais desafios.

Por fim, não basta somente civis estarem envolvidos em ações regenerativas, é preciso políticas públicas que incentivam a resiliência. Governos devem investir em infra estruturas resistentes ao clima, promover o desenvolvimento sustentável e apoiar iniciativas comunitárias. 

A criação de zonas verdes urbanas, sistemas de alerta precoce para desastres naturais e o fomento à economia circular são exemplos de ações políticas que contribuem para uma sociedade mais resiliente. Essa é uma reflexão muito maior, pois em sistemas democráticos há que ter pessoas conscientes do seu voto, há que ter candidatos responsáveis com o bem comum. Poderia chamar de resiliência política, pois é uma esfera que gera também desesperança e impotência. 

Em meio a tanta adversidade pela crise climática, a resiliência na atualidade envolve um esforço combinado de esperança ativa, educação, ação comunitária e políticas públicas robustas. Ao cultivarmos essas práticas, podemos construir uma sociedade capaz de enfrentar as adversidades com coragem e determinação para chegarmos a um ponto de que o equilíbrio se restabeleça. 

 

Macy, Joanna; Johnstone, Chris. Active Hope – How to face the mess we’re in without going crazy. New World Library. California. 2012.

Por Lizandra Barbuto