Em uma sociedade dispersa, onde informação é abundante, mas sujeita a interesses e onde impera a desinformação, em tempos de não se ter tempo, muitas vezes fica complexa a mensuração, mostrar a diferença que seu empreendimento faz no mundo, ou pelo menos, no seu mundo. E, quando se leva a sério o verso do samba “alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho”, fazer a diferença tem outra dimensão!
E pra saber se não está desafinando ou dançando fora do ritmo nesse samba, é necessário entender o tom, o compasso, definir os instrumentos que entrarão na canção, os músicos que poderão tocar, testar, ajustar, repetir, corrigir, aperfeiçoar… Até que chegue o dia da estreia e seja iniciada a temporada de apresentações.
Um ponto importante: os ensaios não param depois da estreia!
Acha que música e mensuração de impactos não são comparáveis? Então, vamos seguir essa reflexão juntes:
Do que vamos falar
De forma objetiva, comecemos pontuando o que se entende aqui por “Impacto”: de forma sintética, está relacionado às transformações que acontecem a partir de uma ação. A expertise da Raízes são as mudanças socioambientais produzidas por um programa ou projeto. E aqui estamos sendo desafiadas a rever nossa pisada, estamos mergulhadas em uma sistematização de resultados mais completa, queremos traduzir melhor nossa presença no mundo!
Se pensarmos que as organizações e os negócios sociais existem, por natureza, para gerar impacto positivo, é natural querer compreender se esse objetivo está sendo alcançado e em que grau. Outro aspecto importante diz respeito à captação de recursos, pois ela é diretamente dependente dessas informações. Lembre-se que clientes, doadores e investidores buscam assegurar de que estão investindo em soluções que efetivamente geram benefícios. É exatamente sobre como olhar para a complexidade em medir e divulgar esse tal impacto que se pretende falar brevemente aqui.
Por que importa
Em muitos casos, a mensuração já é uma exigência de parceiros, clientes e financiadores, ou mesmo uma questão interna antiga que em geral não é ordenada e sistematizada. Mas, hoje, torna-se imperativo no mundo das parcerias conseguir mostrar de forma sintética e compreensível a diferença que cada projeto ou organização traz para o contexto mais amplo de transformações desejadas.
Medir de alguma forma essa diferença tem relação com os objetivos e a missão que movem o trabalho de cada organização e pode avaliar alcance, crescimento, evolução qualitativa, entre outras dimensões de análise. Esta análise pode subsidiar decisões estratégicas, prestação de contas, transparência, divulgação, engajamento, entre outros. Compreender onde se quer chegar é fundamental para a estruturação de todo o processo.
Fazendo a sua parte
Para não errar o compasso do samba e realmente pisar devagarinho, aqui quem dá o ritmo é a natureza, e quem se estabelece em harmonia com ela! Lembrando que a natureza nos apresenta seus padrões, fluxos e ciclos, mas que também é dinâmica e responsiva às intervenções imensas que temos feito nela. Na ilusão de não fazer parte e no distanciamento, pousados nos ombros da ilusão de controle e dominação, temos esgotado o que nos sustenta. É urgente tentar resgatar esse compasso e escrever a partitura para ir alinhando os instrumentos em nova harmonia.
Tecnicamente falando, essa partitura se compõe por compassos que se chamam métricas e suas notas musicais, os indicadores. E na hora de fazer um bom arranjo surge a dúvida: “quais indicadores utilizar?”. E para isso não existe uma única resposta, além de requerer esforço e engajamento. Para começar é possível transformar os objetivos específicos em perguntas que vão trazer dados relevantes como respostas ao problema que se escolheu enfrentar. Estes dados devem responder se o trabalho está levando ao impacto que foi proposto ou não, e em que medida. Parece simples, mas requer esforço, comprometimento e dedicação.
As informações qualitativas são fundamentais e, em geral, negócios sociais são excelentes contadores de histórias, mas a conversa com investidores, clientes e doadores requer síntese e objetividade. É cada vez mais imperioso quantificar e, mais, comparar seu impacto em um espectro mais amplo. Esta capacidade será cada vez mais definidora dos negócios e parcerias no futuro breve.
Além de trazer indicadores que evidenciem o que aconteceu ao longo do processo, é essencial definir aqueles que indicam o legado do projeto ou iniciativa, tais como mudanças estruturais ou de mentalidade no médio e longo prazo. Para cada esfera, ainda comparando com um samba, se define as batidas, o ritmo, os versos e as estrofes. E é importante saber que o refrão é sempre aquela parte que ficará ecoando na cabeça das pessoas.
Pro samba ter harmonia é imprescindível haver precisão e, pra ter um balanço swingado, exige indicadores pensados estrategicamente! Eles devem acolher tanto as especificidades de cada iniciativa, organização ou projeto, como também tem que mostrar o quanto contribuem em esferas mais amplas, o quanto o agir local está contribuindo para o pensar global.
É aí que são necessárias referências para que, dentro de um panorama mais amplo, cada iniciativa compreenda o que pode e consegue absorver. Grupos setoriais, entidades de classe, coletivos, certificadoras e a academia são parceiros que podem inspirar e se dispor a compor e aprender juntos essa partitura!
Seja qual for a escala, são seis momentos elementares para se jogar nessa jornada:
Cada etapa requer estudos, conversas, muita escuta, reflexões e escolhas. É importante ter sempre em mente e revisitar a proposta de valor e o propósito da organização, valores e princípios, métodos de trabalho e formas de se relacionar e de se comunicar. Ações e iniciativas com propósito nos dias atuais não se sustentam com uma gestão desinformada, baseada apenas nas percepções e opiniões de seus técnicos e stakeholders. Dados se tornam imprescindíveis para tomadas de decisão orientadas por evidências, são peças fundamentais para a tomada de decisão de todas as organizações a partir de uma ação importante: conhecer e medir seu impacto.
Se percebendo parte de uma onda maior
Olhar ao redor e se entender parte de um sistema em constante efervescência, além de compreender que é necessário atestar seu impacto positivo por meio de métricas comparáveis, verificáveis e confiáveis é o desafio de todo gestor. Em geral sua intenção é reunir e analisar dados consistentes que gerem reputação, alianças comerciais e de colaboração global. Desde os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que são observados ou atendidos pela organização, até os objetivos comerciais, tudo requer alinhamento e favorece o diálogo e oportunidade de negócios com investidores de impacto e investidores ESG.
E quando se fala em ESG (termo Environmental, Social and Governance, ou seja, Ambiental, Social e Governança, ASG, em português), a palavra é Materialidade. Este termo, oriundo da contabilidade, passou a ser usado majoritariamente em Responsabilidade Social e Sustentabilidade para definir a maneira de coletar as informações necessárias para o entendimento de todos os stakeholders, além de investidores, sobre a performance de uma organização nos temas ESG. Para aplicar o conceito, é necessário identificar os temas de alta prioridade tanto para stakeholders quanto para a empresa. Ou seja, a atuação do negócio ou iniciativa sempre vai considerar o potencial de cada questão para impactar positiva ou negativamente o crescimento organizacional e também a importância de cada questão para as partes interessadas.
Mas olhar para ESG é só uma das possibilidades de construir sua partitura.Há ainda sistemas de certificação, políticas públicas de fomento, até mesmo exigências de financiadores e clientes que podem ser auxílios luxuosos na sua composição! O setor do mercado em que cada um está inserido pode até já ter debatido métricas setoriais ou pode ter interesse em debater e começar a criar espaços coletivos de debate para isso. Aqui só não cabem dissonâncias!
Mesmo sendo um tema complexo, uma recente pesquisa conduzida pela Amcham Brasil (Panorama 2024) revela duas tendências predominantes no cenário empresarial para o próximo ano: Inteligência Artificial (IA), mencionada por 60% dos entrevistados, e a Agenda ESG (Ambiental, Social e Governança), citada por 51%. Além disso, outros dois temas ligados à questão ambiental e à sustentabilidade fazem parte da lista: energias renováveis e economia circular. Não se trata somente de tendência, mas de urgência.
Não é uma tarefa, é uma jornada…
Lembrando que aqui se abordam as organizações e os negócios sociais que se enxergam como geradores de impacto positivo e que, por isso, desejam compreender se esse objetivo está sendo alcançado e em que grau. É natural deduzir que mensuração e monitoramento não se esgotam em si mesmos e que devem fazer parte de toda a vida da instituição.
Dimensionar o seu impacto vai muito além da mensuração, pois analisar a relação de causalidade entre intervenções e impactos percebidos, identificar fatores que promovem transformações e os que não contribuem, os limitadores e os fatores que criam obstáculos, significa poder traçar estratégias para incrementar as transformações almejadas. Esta mensuração também favorece que as organizações mantenham relacionamento transparente com clientes, financiadores, doadores e possam atuar na indução de políticas públicas.
E como pensadores sempre repetem que “o que vale é a jornada” e não o destino final, que cada um consiga apreciar e colher os aprendizados para fazer as escolhas mais sábias nas próximas bifurcações da vida!
Por Lucila Egydio
Para saber mais:
Como mensurar impacto | AGO Social
O que são os indicadores ESG e quais os impactos para as empresas?
IMPACTO ESG: dicas para mensurar impactos socioambientais na sua empresa ou ONG | Cause
ESG na prática: da teoria à mensuração real | Exame
Como fazer avaliação de impacto social | Instituto Legado
Desafios e oportunidades na mensuração do impacto social | Management Solutions
Guia de Avaliação de Impacto Socioambiental | Insper