Em um mundo que envelhece a passos largos, fico muito surpresa com os preconceitos relacionados aos termos que definem essa fase que não é só de nossas vidas, mas alcança agora escala planetária. Uma parcela cada vez maior da população ultrapassa a linha estabelecida para ser considerado idoso.
Em 2014, 13,7% da população brasileira era composta por idosos, ou seja, 27,8 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. (IBGE, 2014). A estimativa é que esse número chegue a 64 milhões, quase 30% da população, em 2050 (IBGE, 2016). Em escala mundial, passaremos de 901 milhões (12,3%) para 2,09 bilhões (21,5%).
Ao invés de pensar que isso possa representar um peso para o sistema previdenciário, uma questão relevante, mas não a mais importante nessa mudança demográfica e social, que tal pensarmos nas razões que temos para celebrar tudo isso, não acha melhor?
Vamos lembrar que em 1960 a expectativa de vida era de 45 anos, ou seja, a “velhice” chegava bem antes na vida das pessoas. O processo natural de envelhecimento, ou senescência, em condições normais, não costuma trazer problemas. Mas, em muitos casos, a presença de doenças pode acarretar em limitações ou na necessidade de assistência, o que chamamos de senilidade.
Ficar idoso x ficar velho
Hoje em dia, com a ajuda da medicina, de melhores condições de higiene, moradia, trabalho, ou seja, da melhoria de condições de vida em geral, ganhamos em escala planetária a chance de viver mais. Ouvi de um professor que “a maior conquista da humanidade é a longevidade, mas será que a sociedade está preparada para ela?”, e essa reflexão é profunda e necessária. Afinal, a alternativa contrária, morrer jovem, não é das mais atrativas, não é mesmo? Ou seja, nosso destino inexorável é envelhecer.
Um dos pontos positivos é que essa “revolução da longevidade” tem nos mostrado que ficar idoso é bem diferente de ficar velho. Aquela imagem do velhinho ou velhinha ressentido, que não aprenderam a se apreciar, cheios de dores, limitações e que precisam se adequar a várias “ferramentas”, como óculos, bengala, aparelho surdez, também se torna coisa do passado ou é encarado com mais leveza.
E, é sempre importante lembrar que os números são referência para que as políticas públicas tenham uma régua, uma referência para que a população seja cobrada ou ganhe benefícios. Fazer 60 anos não o torna velho, apenas o torna, perante a sociedade, um idoso, com direitos diferenciados. E isso é, deve ou pode ser muito bom.
Receita para que a vida não desande
Considerando o que dissemos até aqui, é claro que é positivo se tornar idoso, mas o negócio é evitar ficar velho, gasto, ultrapassado. E se há receita para isso? Ah, com certeza há ingredientes que favorecem que o bolo da sua vida não desande. Anote aí, você vai precisar de:
- Uma porção de SAÚDE: Rotineiramente, ajudar o seu corpinho, cuidando de sua saúde, contando com a justa assistência para isso;
- Colheradas de PARTICIPAÇÃO: temperada com educação, trabalho, vida social, cultural e espiritual;
- Pitadas de SEGURANÇA social, física e financeira, com essência de dignidade;
- Marinar em APRENDIZADO AO LONGO DA VIDA, que vai assegurar que a massa crescerá macia e aerada.
Mas a cobertura para esse bolo ficar mais atrativo e saboroso é composta por CONVIVÊNCIA INTERGERACIONAL e ter sempre SONHOS a realizar. Aí sim, o seu bolo da longevidade vai ficar de dar água na boca! Essa cobertura é que vai dar aquele toque especial que fará de sua vida algo que você vai querer saborear, além de ser inspiradora.
Diversidade para ter qualidade
Viver somente com aqueles que compartilharam experiências parecidas, que têm idades similares e que seguem tendências semelhantes às nossas tem sua importância, é claro, no que diz respeito a pertencimento, algo muito importante para nosso desenvolvimento.
Obviamente nossas relações familiares, entre amigos e colegas de trabalho, entre vizinhos e entre outros grupos acabam por definir muito de nosso estilo de vida, modo de ser, saber e fazer. Com eles compartilhamos valores, ideias e padrões de comportamento. Com eles dividimos as memórias, lendas, tabus, mitos, totens, referências religiosas e comportamentais.
Mas é justamente o convívio com a diferença, seja pela cronologia e experiência de vida, de estilos de vida, de saberes, valores, memórias permite que a troca efetiva aconteça e os dois lados ganham com isso.
As trocas entre idosos e jovens tem ainda outro caráter importante, a valorização da memória de uma comunidade ou sociedade. Ecléa Bosi[1] afirmava que “lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado”. E Hannah Arendt[2] defendia as relações intergeracionais, alegando que “ao promover o diálogo e a troca entre as gerações, se permite a transformação e a reconstrução da tradição, no espaço dos grupos sociais”.
Ou seja, esse convívio permite uma transmissão de saberes que não é linear, pois ambas as gerações possuem sabedorias e a troca desses saberes permite acessar outros modos de pensar, de agir e de sentir, e isso renova nossa leitura de mundo. Além disso, respeitando as suas diferenças, esses seres de diferentes gerações criam uma nova história comum, a partir das sabedorias de cada um.
E os sonhos, como ficam?
Já os sonhos, ah, os sonhos… São os sonhos que nos projetam na vida, pois é nossa busca em transformá-los em realidades que nos impulsiona, nos motiva, nos faz levantar a cada dia e seguir adiante. Por isso temos que manter nossa capacidade de sonhar, mesmo que nos reste menos futuro e mais passado.
Sêneca[3] nos inspira: “Não existe vento favorável a quem não saiba onde deseja ir”. Portanto, seguirmos traçando a rota de nossa vida, ou mesmo escolher nos deixarmos levar pelo fluir da vida é o tempero que vai fazer de cada dia uma experiência transformadora e significativa.
**
É com tudo isso em mente que a Raízes pensa e executa seus projetos! Mesmo não sendo nosso foco de atuação, sempre trazemos práticas para que cada membro do coletivo olhe para si com mais amor, se cuide mais. Dessa maneira podemos fortalecer os laços das redes que estamos tecendo ou fomentando, usando tecnologias sociais que tragam empoderamento individual e atuação consciente nos grupos.
Ao estruturar negócios, construímos juntos as ferramentas que trazem segurança na gestão, seja de uma corporação ou de um pequeno negócio local e, acima de tudo, estimulamos o aprendizado contínuo.
É essa curiosidade pelo mundo pela vida que ajuda a concretizar os sonhos e manter acesa a chama da busca por novas realizações. O premiado escritor francês Anatole France afirmava que “Para realizar grandes conquistas, devemos não apenas agir, mas também sonhar; não apenas planejar, mas também acreditar”.
A Raízes estimula as pessoas, inclusive idosos, a sonharem, a se comprometerem com os sonhos individuais e coletivos, a planejarem o passo-a-passo, a corrigir erros do caminho e, o mais importante: a acreditarem no processo para chegar aos resultados.
Por Lucila Egydio
[1] Premiada psicóloga, professora e escritora brasileira, que abordava de forma recorrente temas como cultura e memória social (1936 – 2017).
[2] Filósofa política alemã de origem judaica, uma das mais influentes do século XX, pensadora original situada entre diferentes campos de conhecimento.
[3] Um dos mais célebres advogados, escritores e intelectuais do Império Romano. Conhecido também como Séneca (ou Sêneca), o Moço, o Filósofo, ou ainda, o Jovem, sua obra literária e filosófica foi considerada como modelo do pensador estoico durante o Renascimento.