
O empreendedorismo feminino tem ganhado cada vez mais espaço e reconhecimento, mas ainda é um caminho repleto de desafios. No Brasil, as mulheres empreendedoras enfrentam barreiras que vão desde a dificuldade de acesso a crédito até a sobrecarga do trabalho doméstico e do cuidado com a família. No entanto, elas também demonstram resiliência, criatividade e um impacto significativo em suas comunidades. Neste Mês da Mulher, queremos amplificar essas vozes e compartilhar histórias de mulheres que estão transformando suas realidades por meio do empreendedorismo.
Na Raízes Desenvolvimento Sustentável, o empreendedorismo feminino é um dos pilares centrais de atuação. Acreditamos que promover a igualdade de gênero e empoderar mulheres e meninas é fundamental para o desenvolvimento sustentável. Por meio de projetos que incentivam a autonomia financeira e a liderança feminina, buscamos criar oportunidades para que mais mulheres possam empreender e alcançar seu potencial máximo.
E hoje, no nosso papo com beneficiários, trouxemos três mulheres representantes da Casa de Paixão, Palmitolândia e do Grupo Teatral A Flor de Maio para trazer um olhar mais próximo e autêntico sobre esse cenário. Elas compartilharam suas vivências, desafios e aprendizados ao longo dessa jornada empreendedora.
A seguir, você confere esse bate-papo inspirador!
Tatiana Paixão – Casa de Paixão Caraíva
Localizada na charmosa Caraíva, na Bahia, a Casa de Paixão é um empreendimento de hospedagem que reflete a cultura e a hospitalidade local. Sob a liderança de Tatiana Paixão, a pousada oferece aos visitantes uma experiência autêntica, valorizando as tradições, o artesanato e o modo de vida da comunidade. O empreendimento fez parte do Programa Turismo + Sustentável, com realização da CI-Brasil, execução da Raízes e apoio do WWF Brasil.
Raízes DS: Como foi para você empreender no setor de turismo e hospitalidade em Caraíva, um destino que tem crescido, mas ainda enfrenta alguns desafios?
Tatiana Paixão: Empreender aqui é um desafio diário. Não é um caminho fácil, mas exige determinação, resiliência e muito amor pelo que se faz. A cada dia, superamos obstáculos e seguimos em frente com persistência, acreditando no impacto positivo do nosso trabalho.
R: Quais foram os principais desafios que você enfrentou como mulher empreendedora em seu setor e região?
T: Como mulher, um dos desafios mais difíceis é a falta de credibilidade por estar à frente do negócio sozinha, desde a sua criação. Muitas vezes, é preciso provar constantemente a capacidade de gerir e fazer acontecer, algo que nem sempre é exigido de outros empreendedores.
R: Existe alguma rede de apoio entre mulheres empreendedoras que ajudou vocês ao longo da jornada? Como vocês veem a importância desse suporte?
T: Não tive uma rede de apoio. Ter esse suporte teria sido fundamental para compartilhar desafios, trocar experiências e fortalecer a jornada empreendedora.
R: Como foi para você participar do Programa Turismo + Sustentável, e quais foram os principais aprendizados que ajudaram no desenvolvimento do Casa de Paixão?
T: Foi uma experiência incrível! Abriu novas perspectivas, ampliou minha rede de networking – conexões que mantenho até hoje – e me deu coragem para seguir novas jornadas.
Gabi Araújo – Palmitolândia
À frente da Palmitolândia, está Gabi Araújo, uma mulher visionária que alia produção sustentável e conservação ambiental. Seu empreendimento agroecológico se dedica ao cultivo e comercialização de palmito orgânico, promovendo práticas agrícolas que respeitam a biodiversidade e garantem renda para a comunidade envolvida. O empreendimento fez parte do projeto de Aceleração de Negócios da Sociobiodiversidade com foco em Cerrado e Mata Atlântica do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil) apoiado pelo Instituto humanize e metodologia da Raízes DS.
Raízes DS: Como foi a experiência de inovar na produção e no turismo do palmito em um setor agrícola muitas vezes dominado por grandes empresas e produtores tradicionais?
Gabi: Investir na união entre gastronomia, agricultura e turismo tem sido uma experiência extremamente gratificante. Atuo em um setor dominado por grandes empresas e produtores tradicionais, onde o palmito é tratado como uma commodity, e isso sempre me incomodou. Durante 20 anos, tentei mostrar que esse modelo é insustentável, porque desvaloriza quem está na base da cadeia: o produtor rural. Muitas fábricas pagam mais pelo vidro, tampa e rótulo do que pelo próprio palmito – isso é um sistema que se auto explora.
Mas ao invés de continuar brigando contra esse sistema, decidi criar o meu próprio. Hoje, opero de forma independente, com liberdade para fazer diferente e ampliar o mercado. Cada turista que vem ‘palmitar’ comigo sai daqui com um novo olhar sobre o palmito. Se antes consumia um vidro, passa a experimentar novas possibilidades, como um caprese vegano, um Romeu e Julieta de palmito, ou uma das mais de mil receitas que desenvolvemos.
Mais do que um negócio, esse é um projeto de vida. Ele prova que é possível construir um mercado mais justo, onde todos ganham: o produtor, que recebe uma remuneração digna; o consumidor, que descobre novas formas de se alimentar; e a natureza, que é preservada. Quando coloco pupunha no prato das pessoas, ajudo a manter o juçara em pé na floresta. Meu sonho sempre foi transformar o palmito no nosso ‘ouro branco’, e estamos conseguindo isso – seja com pratos inovadores, cerveja de palmito ou até vassouras feitas a partir dele. A mudança é possível quando acreditamos nela.
R: Como você percebe o impacto do empreendedorismo feminino no fortalecimento da comunidade onde atua?
G: Sou mãe, não só do meu filho de 13 anos, mas também da Palmitolândia. E percebo que esse impacto vai além do meu negócio – as pessoas chegam até mim com aquele olhar de ‘é possível fazer diferente, me ensina?’. Isso tem acontecido com frequência, tanto que já montei algumas oficinas para ensinar principalmente nas escolas (…)
Acredito que ser mulher empreendedora traz um olhar especial para os detalhes. Pequenas coisas ganham significado, como transformar uma folha de palmito em uma vassourinha decorada – que aqui vira um grande evento. A criança vê o pai cortando o palmito e depois volta para brincar com a folha, tirando fotos como se estivesse voando na vassoura do Harry Potter. Assim, passamos a mensagem de forma leve e divertida.
Minha avó Inês sempre dizia que o segredo da vida é levar tudo com simplicidade, leveza e um laço no lugar do nó. O empreendedorismo feminino tem essa força: desfaz os nós, constrói pontes e cria laços. Não significa que seja fácil – a gente pisa na lama, atola até o joelho – mas o caminho fica mais colorido, mais lúdico, quase como um País das Maravilhas. E isso tem feito toda a diferença na minha trajetória.
R: Como a Palmitolândia equilibra tradição e inovação na produção do palmito, e de que forma esse modelo pode inspirar outras mulheres a empreender no setor agrícola?
G: Busco sempre formas criativas de reinventar o que já existe. O segredo está em pensar fora da caixa. Continuamos vendendo palmito industrializado, mas também o transformamos: vendemos palmito em formato de coração, em forma de bichinhos, fazemos cerveja de palmito, patê, sushi – agregamos valor a essa joia da natureza. Nosso objetivo vai além do comércio, é educar o consumidor a comer mais e melhor, de forma sustentável.
Durante muito tempo, ouvi que ‘palmito de verdade’ era só o jussara. Mas a verdade é que o pupunha é a alternativa mais sustentável – tão saboroso quanto, sem a necessidade de derrubar uma palmeira que levou oito anos para crescer. Então, além de criar novos produtos, estamos transformando a forma como as pessoas enxergam o palmito. Quando um turista sai daqui dizendo que mudou sua percepção, sei que estamos criando um ‘palmitolover’ – e isso significa um juçara a mais em pé na Mata Atlântica.
A Palmitolândia existe porque foi construída por muitas mãos. Trabalhamos com base na economia colaborativa, criativa e sustentável, formando redes com parceiros como a Grande Reserva Mata Atlântica e a Fundação Florestal. Aqui, tradição e inovação caminham juntas: transformamos matéria-prima em valor, seja por meio do turismo, das biojoias, do papel, do suco de juçara ou até da cerveja de palmito. Meu desejo, especialmente neste Mês das Mulheres, é que mais mulheres se aventurem no campo e que possamos fortalecer ainda mais nossa rede de empreendedorismo feminino.
Millena Muniz – Grupo teatral A Flor de Maio
O Grupo de Teatro A Flor de Maio é formado por quatro atrizes talentosas de Itabirito – MG: Millena, Bárbara, Larissa e Júlia, que encontraram no teatro uma forma de contar histórias, com foco na produção de espetáculos, teatro empresarial, oficinas na área de arte e educação. O grupo prima pela produção de uma arte engajada, crítica e de excelência que promova uma experiência mais intimista com o público. O grupo fez parte do projeto Projeto de Desenvolvimento Territorial e Transformação Social de Itabirito-MG.
Raízes DS: Quais são os desafios de empreender na cultura e no teatro e como vocês conseguem se manter ativas no cenário cultural?
Millena: Um dos maiores desafios é a instabilidade financeira dentro da área, o que nos obriga a ter trabalhos complementares e acaba afetando a quantidade de tempo que poderíamos investir no grupo. Além disso, a falta de políticas públicas consistentes para a cultura e a desvalorização do trabalho artístico tornam o caminho ainda mais desafiador.
Na Flor de Maio, conseguimos nos manter ativas por meio da construção de redes de apoio, parcerias e uma atuação diversificada, que vai além dos espetáculos. Criamos projetos de formação, intervenções e buscamos editais e colaborações com outros grupos e coletivos. Além disso, a formação do grupo se dá na base de muito profissionalismo, mas, acima de tudo, no respeito entre as integrantes e em uma boa comunicação. Esses elementos são essenciais para garantir a continuidade e a força do nosso trabalho.
R: Quais são as oportunidades que vocês enxergam hoje para o empreendedorismo feminino no Brasil e o que ainda precisa mudar para que mais mulheres possam empreender?
M: Talvez não seja a solução para todos os problemas do mundo, mas com certeza, o empreendedorismo feminino é um caminho de muitas possibilidades, de novos modelos de negócio e para inversão de muitos mecanismos criados pelos homens. A mudança necessária é a criação de oportunidade para mulheres no mercado e tempo! Precisamos de mulheres menos sobrecarregadas. Com tempo para si, para seus interesses, desejos e ambições.
É necessário que as políticas públicas atendam e acolham essa categoria, pensando em projetos que distribuam cotas, que acolham os filhos dessas mulheres para que elas possam empreender, que façam uma reparação histórica, criando oportunidades que por muito tempo nos foram negadas.
R: Como o teatro pode ser uma ferramenta de transformação social e empoderamento feminino, especialmente em cidades menores?
M: O teatro e a arte por essência é um caminho de diálogo da obra com o público. Um caminho para a leitura de si e do mundo. Um caminho sensível que diz da nossa história e do futuro que construímos enquanto humanidade e sociedade. Tendo em mente isso, as possibilidades são muitas! Nosso teatro é um trabalho muito íntimo, conectado e sensível. Somos mineiras (risadas), somos um grupo de mulheres e isso diz muito da nossa cultura, do nosso tato, do nosso “jeitim”. No interior, o tete a tete é forte e ele que transforma! Ser um grupo de mulheres no interior de Minas já é um ato de resistência, de empoderamento e de transformação.
Com nossas produções levamos para as cenas, muitas vezes, questões femininas importantes de serem discutidas e vistas. É assim que vemos como nosso trabalho no interior pode contribuir com transformações e com as questões das mulheres, de raça e gênero. Com jeitinho, uma boa prosa, com a produção de uma arte crítica, de qualidade e profissional.
As histórias dessas mulheres empreendedoras mostram que, apesar dos desafios, é possível construir caminhos mais justos, inovadores e sustentáveis. O empreendedorismo feminino não apenas fortalece a economia local, mas também transforma realidades, inspira novas lideranças e gera impactos positivos que vão além dos negócios.
Neste Mês das Mulheres, celebramos a coragem, a criatividade e a resiliência dessas empreendedoras que, com seus projetos, deixam marcas profundas em suas comunidades. Que suas trajetórias sigam abrindo portas e incentivando outras mulheres a sonhar, realizar e fortalecer essa rede de transformação.