“Ser agricultora familiar para mim é uma coisa que eu amo muito, é uma honra, porque isso eu já trouxe dos meus pais, e é muito importante. Se a pessoa me procurar e dizer ‘cê precisa mudar’, eu digo que não, porque para mim é um sonho que está no meu sangue. Já nasci sendo agricultora”.
As palavras acima são de Dona Santa Nogueira, uma das agricultoras que fazem parte da rede de coletoras e coletores parceiros do VerdeNovo Sementes Nativas, um negócio de impacto que tem como propósito o fortalecimento da mão que colhe para impulsionar a mão que planta. Hoje são quatro toneladas de sementes que a empresa coleta anualmente. Barbara Pacheco, bióloga que fundou a empresa, conta um pouco de como foi a sua trajetória até se enxergar de fato como agricultura.
“Recentemente eu passei por esse discernimento do que é ser agricultora e eu realmente me entendi como agricultora. Uma agricultora um pouco diferente, sim. Mas partindo do princípio que agricultor é aquele que se relaciona com o plantio e consegue disso tirar um modo de vida, eu comecei a entender que sim, somos agricultores – quem trabalha com restauração dos biomas nativos”, explica.
Ela foi uma das 30 empreendedoras e empreendedores selecionados em 2022 para o programa de Aceleração de Negócios da Sociobiodiversidade, idealizado Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que teve apoio do Instituto humanize e parceria executiva da Raízes.
E a nossa conversa hoje faz parte de um especial sobre o Dia do Agricultor, data comemorada em 28 de julho, que celebra a importância dessas pessoas para toda a sociedade e para a natureza, seja tanto pela base alimentar, quanto pela conservação do meio ambiente, partindo da agroecologia, quanto para a regeneração da natureza, no caso do trato com sementes nativas e o reflorestamento, contribuindo também, em todos os aspectos, para o crescimento econômico do país.
Convidamos dois beneficiários de projetos os quais a Raízes atuou para compartilhar seu encontro com a profissão, suas vivências, alegrias e desafios. Confira a seguir parte da entrevista que fizemos com Barbara.
Raízes: De que forma a VerdeNovo Sementes contribui socialmente e para o território? Onde tem atuado?
Barbara Pacheco: Eu trabalho com restauração ecológica e com coleta de sementes nativas desde 2016 em um modelo de negócio que tenta trazer um pouquinho a questão de olhar diferente para as nossas bases comunitárias, nossas comunidades das periferias rurais. Então, hoje a Verde Novo atua como uma instituição, uma empresa que fortalece a mão que colhe – a gente fala que são produtores, coletores e coletores de sementes nativas – para impulsionar a mão que planta essas sementes, que são todas as pessoas que demandam sementes nativas para as suas pautas ambientais. Então, foi dentro desse contexto que eu me encontrei como agricultora e que eu pude me encontrar com tantos agricultores e agricultoras que aí sim: agricultores e agricultoras “de nascença”, aquele povo que nasceu vivendo da terra, cresceu vivendo da terra e passa isso pros filhos e pras gerações futuras. É com a minha convivência com esses agricultores e agricultoras que eu fui tirando toda a inspiração de vida para tocar o modelo de negócio da VerdeNovo.
Hoje nós atuamos em quatro estados mais o Distrito Federal. São em torno de 30 pessoas, sendo 80% mulheres. E qual é a importância também dessas atividades para a manutenção da mulher no campo? A partir do momento que você gera valor para essas mulheres, elas podem contribuir na renda das suas famílias.
“As ações tiram muitas vezes essas mulheres do contexto da vulnerabilidade social e, a partir do momento que você devolve o poder pras mãos de uma mulher, qual é o exemplo que ela traz para transformação de uma comunidade?! Então, empoderar, devolver o poder para essas mulheres que durante muito tempo ficaram dentro do invisível é tirar da invisibilidade comunidades inteiras. A partir do momento que você leva uma, elas têm essa capacidade de elevar todas”.
E é nesse contexto que eu trago aí o meu encontro com Dona Santa Nogueira, que é uma “agricultura desde sempre”, como ela traz na fala dela, e que me ensina tanto sobre como é viver da terra.
R: Você saberia dizer qual é o perfil predominante do agricultor na sua atuação com a VerdeNovo Sementes, quem são e onde estão essas pessoas?
BP: É um perfil diverso. São ligados aos assentamentos da reforma agrária, comunidades tradicionais. Ou muitas vezes até coletores e coletores urbanos, agricultoras e agricultores que tentam viver dentro das cidades daquilo que produzem suas propriedades. Como a vida no campo é difícil, o que traz a necessidade de ter uma diversificação de renda, a semente nativa entra com essa potência de ser mais uma fonte de renda para somar forças. E hoje para muitas famílias ela já é uma forma de renda principal. Eles continuam tendo suas atividades de agricultura para subsistência, mas hoje a semente já tem assumido esse protagonismo, essa potência de realmente manter nossas comunidades no campo e gerar valor na preservação e conservação dos biomas nativos de pé.
R: O que te motiva a continuar?
BP: O que me motiva a continuar é que a sociedade investiu em mim, no meu estudo, na minha formação, então uma forma de eu devolver isso para a humanidade com certeza é me colocar à disposição a minha força intelectual, a minha força de serviço, para que tantas mulheres e homens possam ter também essa oportunidade de sair do invisível e vir para o visível e vivendo nos seus biomas nativos e dos seus biomas nativos. Então isso é o que me move.
Temos muita coisa para fazer e não há mais tempo. Então, hoje não é sobre mim, é sobre um coletivo. Me motiva a capacidade de inovação, olhar pro outro e nos ver no outro. É saber que a nossa potência como coletivo é muito maior.
Barbara conta que se inspira na agroecologia para sua atuação. “Tem sido uma grande fonte de sabedoria para tudo o que eu faço dentro da VerdeNovo desde o plantar restauração ecológica até o trabalho com os coletores de sementes, a forma de ver e estar no meio”, conta. Por definição da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) do Estado de São Paulo, essa ciência fornece os princípios ecológicos básicos para o estudo e tratamento de ecossistemas tanto produtivos quanto preservadores dos recursos naturais, e que sejam culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis, proporcionando assim, um agroecossistema sustentável.
“Para mim a agroecologia é uma nova forma de pensar, que não é baseada em antigas estruturas. Ela traz um respeito de escuta, um respeito à fala, um respeito aos processos e à natureza que me ensina muito, um caminho mais regenerativo de construção”, finaliza.
Esse olhar de Barbara para o coletivo e, acima de tudo, pela paixão de trabalhar com a terra e com as pessoas que dela vivem é compartilhado também pelo agricultor Robson Gório, que vive em Bação, Minas Gerais. Ele esteve entre os beneficiários do Projeto de Desenvolvimento Territorial e Transformação Social de Itabirito (MG), o qual executamos ao longo de pouco mais de dois anos.
“Foi através dos conceitos de Agroecologia que compreendi sobre questões de negócios e como trabalhar com a agricultura na perspectiva da Ecologia e do desenvolvimento sustentável. Assim fundei o meu próprio negócio, o Horti-Bação”. O núcleo de Agroecologia Horti-Bação é o espaço físico onde produz, cultiva alimentos vegetais consorciados e espécies nativas com o objetivo de trabalhar a regeneração de áreas degradadas e a reconstrução de fauna e flora local.
Raízes: Conte um pouco como se encontrou como agricultor.
Robson Gório: Eu comecei a alguns anos atrás, quando eu tinha uns 14 anos, eu acho. Uma professora veio de Belo Horizonte, para o Mangue Seco. Na casa dela a gente trabalhava utilizando práticas que hoje são conhecidas como permacultura, agricultura sustentável e regenerativa.
Naquela época, o único modo de se fazer agricultura que eu conhecia era a agricultura tradicional: ‘capine a área, retire os matos (matéria orgânica), faça os canteiros e adicione esterco’ – modelo esse que apesar de orgânico era insustentável por dar ao ambiente condições de degradação. Então, depois de alguns anos, aprendi um monte sobre plantas medicinais. Já com 18 anos, fui trabalhar na Telema, Centro de Permacultura e Sustentabilidade, por onde passei dois anos com o desenvolvimento de práticas orgânicas, sustentáveis e sob a perspectiva da Ecologia.
R: E quais são os principais desafios da profissão?
RG: Atualmente aqui no Bação o maior desafio é a parceria de pessoas para trabalhar em conjunto no projeto. A agricultura até pode ser feita por uma pessoa, mas para isso, na nossa realidade aqui em São Gonçalo do Bação, eu teria que ter condições financeiras elevadas para arcar com a infraestrutura necessária para que pudesse ser um negócio de fato sustentável.
R: E os prazeres/benefícios?
“Os prazeres se ser agricultor são trabalhar em parceria com a natureza. Com isso quero dizer trabalhar com o apoio da fauna e da flora como agentes transformadores e mantenedores do ecossistema, trabalhar a conexão com as pessoas locais, onde se compartilha tradições de cultivo de plantas; colher alimentos que você contribuiu para o desenvolvimento saudável e seguro para as pessoas, para a natureza local e o meio ambiente como um todo”.
À todos os agricultores e agricultoras do Brasil, que tiram da terra o seu sustento respeitando a natureza, um feliz dia (hoje e todos os outros 364) e obrigada!