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Viver da terra: reflexões sobre agroecologia no Dia do Agricultor

Por 28 de julho de 2023agosto 3rd, 2023Notícias

Living off the land: reflections on agroecology on Farmer’s Day

Por 22 de julho de 2023outubro 19th, 2024News, Projects

“Ser agricultora familiar para mim é uma coisa que eu amo muito, é uma honra, porque isso eu já trouxe dos meus pais, e é muito importante. Se a pessoa me procurar e dizer ‘cê precisa mudar’, eu digo que não, porque para mim é um sonho que está no meu sangue. Já nasci sendo agricultora”

As palavras acima são de Dona Santa Nogueira, uma das agricultoras que fazem parte da rede de coletoras e coletores parceiros do VerdeNovo Sementes Nativas, um negócio de impacto que tem como propósito o fortalecimento da mão que colhe para impulsionar a mão que planta. Hoje são quatro toneladas de sementes que a empresa coleta anualmente. Barbara Pacheco, bióloga que fundou a empresa, conta um pouco de como foi a sua trajetória até se enxergar de fato como agricultura. 

“Recentemente eu passei por esse discernimento do que é ser agricultora e eu realmente me entendi como agricultora. Uma agricultora um pouco diferente, sim. Mas partindo do princípio que agricultor é aquele que se relaciona com o plantio e consegue disso tirar um modo de vida, eu comecei a entender que sim, somos agricultores – quem trabalha com restauração dos biomas nativos”, explica.

Ela foi uma das 30 empreendedoras e empreendedores selecionados em 2022 para o programa de Aceleração de Negócios da Sociobiodiversidade, idealizado Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que teve apoio do Instituto humanize e parceria executiva da Raízes. 

E a nossa conversa hoje faz parte de um especial sobre o Dia do Agricultor, data comemorada em 28 de julho, que celebra a importância dessas pessoas para toda a sociedade e para a natureza, seja tanto pela base alimentar, quanto pela conservação do meio ambiente, partindo da agroecologia, quanto para a regeneração da natureza, no caso do trato com sementes nativas e o reflorestamento, contribuindo também, em todos os aspectos, para o crescimento econômico do país.

Convidamos dois beneficiários de projetos os quais a Raízes atuou para compartilhar seu encontro com a profissão, suas vivências, alegrias e desafios. Confira a seguir parte da entrevista que fizemos com Barbara.

Raízes: De que forma a VerdeNovo Sementes contribui socialmente e para o território? Onde tem atuado?

Barbara Pacheco: Eu trabalho com restauração ecológica e com coleta de sementes nativas desde 2016 em um modelo de negócio que tenta trazer um pouquinho a questão de olhar diferente para as nossas bases comunitárias, nossas comunidades das periferias rurais. Então, hoje a Verde Novo atua como uma instituição, uma empresa que fortalece a mão que colhe – a gente fala que são produtores, coletores e coletores de sementes nativas – para impulsionar a mão que planta essas sementes, que são todas as pessoas que demandam sementes nativas para as suas pautas ambientais. Então, foi dentro desse contexto que eu me encontrei como agricultora e que eu pude me encontrar com tantos agricultores e agricultoras que aí sim: agricultores e agricultoras “de nascença”, aquele povo que nasceu vivendo da terra, cresceu vivendo da terra e passa isso pros filhos e pras gerações futuras. É com a minha convivência com esses agricultores e agricultoras que eu fui tirando toda a inspiração de vida para tocar o modelo de negócio da VerdeNovo. 

Dona Santa e Sr. Valdo, agricultores/coletores da VerdeNovo. Foto: Bruna Braz

Hoje nós atuamos em quatro estados mais o Distrito Federal. São em torno de 30 pessoas, sendo 80% mulheres. E qual é a importância também dessas atividades para a manutenção da mulher no campo? A partir do momento que você gera valor para essas mulheres, elas podem contribuir na renda das suas famílias.

“As ações tiram muitas vezes essas mulheres do contexto da vulnerabilidade social e, a partir do momento que você devolve o poder pras mãos de uma mulher, qual é o exemplo que ela traz para transformação de uma comunidade?! Então, empoderar, devolver o poder para essas mulheres que durante muito tempo ficaram dentro do invisível é tirar da invisibilidade comunidades inteiras. A partir do momento que você leva uma, elas têm essa capacidade de elevar todas”.

E é nesse contexto que eu trago aí o meu encontro com Dona Santa Nogueira, que é uma “agricultura desde sempre”, como ela traz na fala dela, e que me ensina tanto sobre como é viver da terra.

R: Você saberia dizer qual é o perfil predominante do agricultor na sua atuação com a VerdeNovo Sementes, quem são e onde estão essas pessoas?

BP: É um perfil diverso. São ligados aos assentamentos da reforma agrária, comunidades tradicionais. Ou muitas vezes até coletores e coletores urbanos, agricultoras e agricultores que tentam viver dentro das cidades daquilo que produzem suas propriedades. Como a vida no campo é difícil, o que traz a necessidade de ter uma diversificação de renda, a semente nativa entra com essa potência de ser mais uma fonte de renda para somar forças. E hoje para muitas famílias ela já é uma forma de renda principal. Eles continuam tendo suas atividades de agricultura para subsistência, mas hoje a semente já tem assumido esse protagonismo, essa potência de realmente manter nossas comunidades no campo e gerar valor na preservação e conservação dos biomas nativos de pé.

R: O que te motiva a continuar?

BP: O que me motiva a continuar é que a sociedade investiu em mim, no meu estudo, na minha formação, então uma forma de eu devolver isso para a humanidade com certeza é me colocar à disposição a minha força intelectual, a minha força de serviço, para que tantas mulheres e homens possam ter também essa oportunidade de sair do invisível e vir para o visível e vivendo nos seus biomas nativos e dos seus biomas nativos. Então isso é o que me move.

Temos muita coisa para fazer e não há mais tempo. Então, hoje não é sobre mim, é sobre um coletivo. Me motiva a capacidade de inovação, olhar pro outro e nos ver no outro. É saber que a nossa potência como coletivo é muito maior.

Barbara conta que se inspira na agroecologia para sua atuação. “Tem sido uma grande fonte de sabedoria para tudo o que eu faço dentro da VerdeNovo desde o plantar restauração ecológica até o trabalho com os coletores de sementes, a forma de ver e estar no meio”, conta. Por definição da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) do Estado de São Paulo, essa ciência fornece os princípios ecológicos básicos para o estudo e tratamento de ecossistemas tanto produtivos quanto preservadores dos recursos naturais, e que sejam culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis, proporcionando assim, um agroecossistema sustentável.

Para mim a agroecologia é uma nova forma de pensar, que não é baseada em antigas estruturas. Ela traz um respeito de escuta, um respeito à fala, um respeito aos processos e à natureza que me ensina muito, um caminho mais regenerativo de construção”, finaliza. 

Esse olhar de Barbara para o coletivo e, acima de tudo, pela paixão de trabalhar com a terra e com as pessoas que dela vivem é compartilhado também pelo agricultor Robson Gório, que vive em Bação, Minas Gerais. Ele esteve entre os beneficiários do Projeto de Desenvolvimento Territorial e Transformação Social de Itabirito (MG), o qual executamos ao longo de pouco mais de dois anos.

“Foi através dos conceitos de Agroecologia que compreendi sobre questões de negócios e como trabalhar com a agricultura na perspectiva da Ecologia e do desenvolvimento sustentável. Assim fundei o meu próprio negócio, o Horti-Bação”. O núcleo de Agroecologia Horti-Bação é o espaço físico onde produz, cultiva alimentos vegetais consorciados e espécies nativas com o objetivo de trabalhar a regeneração de áreas degradadas e a reconstrução de fauna e flora local.

Raízes: Conte um pouco como se encontrou como agricultor.

Robson Gório: Eu comecei a alguns anos atrás, quando eu tinha uns 14 anos, eu acho. Uma professora veio de Belo Horizonte, para o Mangue Seco. Na casa dela a gente trabalhava utilizando práticas que hoje são conhecidas como permacultura, agricultura sustentável e regenerativa.

Naquela época, o único modo de se fazer agricultura que eu conhecia era a agricultura tradicional: ‘capine a área, retire os matos (matéria orgânica), faça os canteiros e adicione esterco’ – modelo esse que apesar de orgânico era insustentável por dar ao ambiente condições de degradação. Então, depois de alguns anos, aprendi um monte sobre plantas medicinais. Já com 18 anos, fui trabalhar na Telema, Centro de Permacultura e Sustentabilidade, por onde passei dois anos com o desenvolvimento de práticas orgânicas, sustentáveis e sob a perspectiva da Ecologia.

R: E quais são os principais desafios da profissão?

RG: Atualmente aqui no Bação o maior desafio é a parceria de pessoas para trabalhar em conjunto no projeto. A agricultura até pode ser feita por uma pessoa, mas para isso, na nossa realidade aqui em São Gonçalo do Bação, eu teria que ter condições financeiras elevadas para arcar com a infraestrutura necessária para que pudesse ser um negócio de fato sustentável.

R: E os prazeres/benefícios?

“Os prazeres se ser agricultor são trabalhar em parceria com a natureza. Com isso quero dizer trabalhar com o apoio da fauna e da flora como agentes transformadores e mantenedores do ecossistema, trabalhar a conexão com as pessoas locais, onde se compartilha tradições de cultivo de plantas; colher alimentos que você contribuiu para o desenvolvimento saudável e seguro para as pessoas, para a natureza local e o meio ambiente como um todo”.

 

À todos os agricultores e agricultoras do Brasil, que tiram da terra o seu sustento respeitando a natureza, um feliz dia (hoje e todos os outros 364) e obrigada!

“For me, being a family farmer is something I love very much, it’s an honor, because I brought it from my parents, and it’s very important. If someone comes up to me and says ‘you need to change’, I say no, because for me it’s a dream that’s in my blood. I was born a farmer”.

These are the words of Dona Santa Nogueira, one of the farmers who are part of the network of collectors and partners of Verde Novo Sementes Nativas, an impact business whose purpose is to strengthen the hand that harvests in order to boost the hand that plants. Today, the company collects four tons of seeds every year. Barbara Pacheco, the biologist who founded the company, tells us a little about her journey until she really saw herself as a farmer.

I recently went through this realization of what it means to be a farmer, and I really understood myself as a farmer. A slightly different kind of farmer, yes. But based on the principle that a farmer is someone who relates to planting and can make a living from it, I began to understand that yes, we are farmers – those who work with restoring native biomes”, she explains.

She was one of 30 entrepreneurs selected in 2022 for the Sociobiodiversity Business Acceleration Program, idealized by United Nations Development Programme (UNDP), with the support of the Humanize Institute and the executive partnership of Raízes.

 

And our conversation today is part of a special on Farmers’ Day, celebrated on July 28, which honors the importance of these people for society as a whole and for nature, be it for the food base, for environmental conservation, starting with agroecology, or for the regeneration of nature, in the case of dealing with native seeds and reforestation, while also contributing, in all respects, to the country’s economic growth.

We invited two beneficiaries of projects in which Raízes has worked to share their encounter with the profession, their experiences, joys, and challenges. Here’s part of our interview with Barbara.

Raízes: How does Verde Novo Sementes contribute socially and to the territory? Where has it been active?

Barbara Pacheco: I’ve been working with ecological restoration and native seed collection since 2016 in a business model that tries to bring a bit of the issue of looking differently at our community bases, our communities in the rural peripheries. So today Verde Novo acts as an institution, a company that strengthens the hand that harvests – we call them producers, collectors, and gatherers of native seeds – to boost the hand that plants these seeds, which are all the people who demand native seeds for their environmental agendas. So it was within this context that I found myself as a farmer and that I was able to meet so many farmers who are “born farmers”, people who were born living off the land, grew up living off the land, and passed this on to their children and future generations. It’s from living with these farmers that I’ve drawn all the inspiration I need to run VerdeNovo’s business model.

Dona Santa and Mr. Valdo, farmers/gatherers at VerdeNovo. Photo: Bruna Braz

 

Today we work in four states plus the Federal District. There are around 30 people, 80% of whom are women. And how important are these activities for keeping women in the countryside? As soon as you generate value for these women, they can contribute to their families’ income.

The actions often take these women out of the context of social vulnerability and, from the moment you give power back to a woman, what example does she set for the transformation of a community?! So empowering, giving power back to these women who for a long time have been invisible, is taking entire communities out of invisibility. From the moment you take one away, they have the capacity to lift everyone up”.

And it’s in this context that I bring up my encounter with Dona Santa Nogueira, who has been “farming forever”, as she says, and who teaches me so much about what it’s like to live off the land.

A: Can you tell us what the predominant profile of the farmer is in your work with VerdeNovo Sementes, who they are, and where they are?

 

BP: It’s a diverse profile. They are linked to agrarian reform settlements and traditional communities. Or often even urban gatherers, farmers who try to make a living in the cities from what they produce on their properties. Since life in the countryside is difficult, which means that they need to diversify their income, native seeds have the potential to be another source of income to add to their strength. And today, for many families, it is already their main source of income. They still have their subsistence farming activities, but today the seed has taken on this leading role, this power to really keep our communities in the countryside and generate value in the preservation and conservation of standing native biomes.

 

R: What motivates you to continue?

BP: What motivates me to continue is that society has invested in me, in my studies, in my training, so one way for me to give back to humanity is certainly to make my intellectual strength available, my strength of service, so that so many women and men can also have this opportunity to leave the invisible and come to the visible and live in their native biomes and from their native biomes. So that’s what drives me.

We have so much to do and there’s no more time. So today is not about me, it’s about a collective. I’m motivated by the ability to innovate, to look at others, and see ourselves in others. It’s knowing that our power as a collective is much greater.

Barbara says she draws inspiration for her work from agroecology. “It has been a great source of wisdom for everything I do at VerdeNovo, from planting ecological restoration to working with seed collectors, the way of seeing and being in the environment”, she says. By definition of the São Paulo State Coordination of Integral Technical Assistance (CATI), this science provides the basic ecological principles for the study and treatment of ecosystems that are both productive and preserve natural resources, and that are culturally sensitive, socially just, and economically viable, thus providing a sustainable agroecosystem.

For me, agroecology is a new way of thinking that is not based on old structures. It brings a respect for listening, a respect for speech, a respect for processes and nature that teaches me a lot, a more regenerative way of building”, he concludes.

 

Barbara’s view of the collective and, above all, her passion for working with the land and the people who live off it is also shared by farmer Robson Gório, who lives in Bação, Minas Gerais. He was among the beneficiaries of the Territorial Development and Social Transformation Project in Itabirito (MG), which we ran for just over two years.

“It was through the concepts of agroecology that I came to understand business issues and how to work with agriculture from the perspective of ecology and sustainable development. So I founded my own business, Horti-Bação.”. The Horti-Bação Agroecology Center is the physical space where he produces and cultivates plant food in consort with native species, to work towards the regeneration of degraded areas and the reconstruction of local fauna and flora.

Raízes: Tell us a bit about how you found yourself as a farmer.

Robson Gório: I started a few years ago, when I was about 14, I think. A teacher came to Mangue Seco from Belo Horizonte. In her house, we worked using practices that are now known as permaculture, sustainable and regenerative agriculture.

At the time, the only way of farming I knew was traditional agriculture: ‘weed the area, remove the weeds (organic matter), make the beds and add manure’ – a model that, despite being organic, was unsustainable because it gave the environment conditions for degradation. So, after a few years, I learned a lot about medicinal plants. When I was 18, I went to work at Telema, the Permaculture and Sustainability Center, where I spent two years developing organic, sustainable practices from an ecological perspective.

 

R: And what are the main challenges of the job?

RG: Currently, here in Bação, the biggest challenge is finding people to work together on the project. Farming can even be done by one person, but for that, in our reality here in São Gonçalo do Bação, I would have to have high financial conditions to afford the necessary infrastructure so that it could be a truly sustainable business.

A: What about the pleasures/benefits?

“The pleasures of being a farmer are working in partnership with nature. By this, I mean working with the support of fauna and flora as transforming agents and maintainers of the ecosystem, working on the connection with local people, where you share traditions of growing plants; and harvesting food that you have contributed toward the healthy and safe development of people, local nature and the environment as a whole.”

 

To all the farmers in Brazil, who make a living from the land while respecting nature, a happy day (today and all the other 364), and thank you!