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Garantindo a privacidade: experiências com o turismo comunitário no Brasil

Por 21 de julho de 2017agosto 7th, 2017Artigos

“Entre, a casa é sua!” Muitos brasileiros ainda usam esse velho ditado para que os visitantes se sintam em casa. Esta hospitalidade não é tão encontrada no Rio de Janeiro ou em São Paulo, mas, principalmente, nos corações e nas casas das pessoas fora da agitação das grandes cidades. A relação muito mais estreita entre visitantes e hosts locais permite experiências mais autênticas, mas as estadias domiciliares têm problemas intrínsecos. Proteger a privacidade dos anfitriões é a chave para o sucesso.

Recentemente comunidades em todo o Brasil começaram a receber turistas e ganhar uma renda adicional com a atividade. Existem muitas maneiras pelas quais eles se inserem e participam do turismo. Algumas, especialmente comunidades indígenas e quilombolas, optam por gerir Pousadas Comunitárias coletivamente, enquanto outros recebem turistas em suas próprias casas.

Separando casa e pousada

Adriana Gomes Lima vive no Pará, no norte do Brasil. Ela é líder no MMIB (Movimento das Mulheres nas Ilhas de Belém) em uma comunidade de pescadores e pequenos agricultores familiares. Além de receber turistas, ela está preocupada com o modo como o turismo afeta as outras mulheres da comunidade que hospedam turistas dentro de suas casas. “Construímos casas de hóspedes separadas da casa principal. Isso permite que os turistas interajam com a família e, ao mesmo tempo, respeitem a nossa privacidade “.

Ela explicou que o grupo de anfitriões criou algumas regras e regulamentos para garantir segurança, privacidade e conforto para si e para seus visitantes. “Nós não oferecemos nem vendemos bebidas alcoólicas, por exemplo. As casas de hóspedes são uma boa solução. Todo mundo tem seus hábitos matinais, como acordar ou tomar café da manhã. Então, os convidados têm a liberdade de seu próprio horário”.

Essas precauções ajudam a prevenir problemas. Adriana afirma que nunca teve problemas com os turistas: “Oferecemos experiências que são muito diferentes. Nossos visitantes são amantes da natureza, interessados ​​em trilhas, em conversar com pessoas. Às vezes, entramos a madrugada adentro bebendo café e conversando na cozinha.”

E ela percebe que “receber turistas ficou tão natural que não nos incomoda se eles entram na cozinha e se juntam a nós pro café da manhã. Nós sentimos que são família”. E conclui que “hospedar visitantes na minha casa me trouxe muitos amigos, brasileiros e estrangeiros. Muitos retornaram não como turistas, mas como amigos. Mesmo pagando como clientes, é um relacionamento muito diferente”.

 

Aceitar a invasão de privacidade?

Deuzani Gomes dos Santos vive em Minas Gerais no Sudeste do Brasil. Ela faz potes e bonecas bonitas de argila. Ela compartilha seu conhecimento de cerâmica e sua poesia (apesar de ter frequentado apenas a escola primária, ela escreve poemas maravilhosos!) com turistas que visitam sua comunidade. Para receber turistas, ela coloca as melhores roupas de cama, muda as canecas da cozinha e garante que ela crie a atmosfera perfeita para receber seus visitantes.

Ela nunca teve problemas sérios com seus convidados, mas alguns querem coisas que ela não pode oferecer como Wifi, por exemplo. “Eu fico frustrada quando minha casa não atende suas expectativas”. Ela admite que às vezes as pessoas podem ser um pouco invasivas, mas ela prefere não confrontar os visitantes sobre esse assunto. “Nunca tive coragem de dizer quando algo não está bem, porque às vezes, as pessoas não entendem o nosso ponto e podem se sentir ofendidas, né? Considerando o curto período de visita da pessoa, não acho que vale a pena”.

No entanto, ela afirma que adora hospedar, mesmo que isso signifique que ela não possa produzir tantos artesanatos quanto faz quando está sozinha. Mas isso não a incomoda. Deuzani gosta de concentrar toda sua energia em seus visitantes: “Uma pousada familiar é chamada de hospedaria familiar porque o hóspede se torna parte da família durante o período em que ficam”.

 

O tipo certo de turistas

Irenice Maria Macedo de Freitas vive no Ceará, no Nordeste do Brasil, no interior de Kariri, onde a Fundação Casa Grande mantém a cultura viva e única. Ela vem recebendo turistas em sua casa desde 1999. A suíte de hóspedes fica no quintal, mas ela prepara as refeições na sua cozinha e os convidados podem circular livremente. Eles nunca foram invasivos. “Graças a Deus, os turistas que recebemos vêm por causa do projeto e são diferentes dos turistas que viriam por causa de festas, por exemplo”, explica.

O projeto, Fundação Casa Grande, é um museu de cultura local e uma escola para crianças que querem se tornar cineastas, fotógrafos, escritores e músicos. O fundador deste projeto, Alemberg Quindins, diz: “Pensar no turismo de base comunitária apenas como gerador de renda é muito pouco. A espinha dorsal do turismo comunitário tem sua base na diversidade cultural e nos valores humanos.” Irenice concorda. “Quando as pessoas me perguntam o que penso sobre o recebimento de turistas, eu digo que eu recebo o mundo na minha casa”, ela diz com orgulho.

Essas três mulheres têm algo em comum: um talento especial para hospedar, juntamente com uma curiosidade sobre as pessoas e um prazer em compartilhar suas casas e modo de vida com os outros. Embora elas concordem que o dinheiro e a privacidade são importantes quando falamos em converter a própria casa em um receptivo familiar, todas acreditam que há algo devocional em ser uma anfitriã. É mais do que abrir sua casa para estranhos, é abrir-se.

 

Esse texto foi originalmente publicado em inglês e alemão pela Tourism Watch.

 

Por Mariana Madureira – co-fundadora da Raízes Desenvolvimento Sustentável, uma empresa social para desenvolvimento local e empoderamento das mulheres, e diretora do Projeto Bagagem, uma ONG que desenvolve e promove o turismo comunitário.