O desastre ocorrido a partir do rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração em Mariana (MG), suas nefastas e incalculáveis consequências e, o pior, a impunidade evidente, além de suscitarem em nós revolta, repulsa, impotência (para ficar nos adjetivos publicáveis), traz à tona algumas questões a respeito da responsabilidade socioambiental:
- As ações de cunho socioambiental que assistíamos em belos comerciais eram falsas?
- Qual o real compromisso de empresas de grande porte com as comunidades que afetam?
- Essas corporações tem um envolvimento genuíno com comunidades impactadas por sua presença?
A partir da compreensão de que as empresas têm um compromisso moral com as comunidades afetadas por sua presença no território, houve uma evolução no debate e na assunção de iniciativas de Responsabilidade Social Empresarial (e outros nomes similares, mas o mesmo significado).
Acontece que essa obrigação vai além da normatização e do que está estabelecido na legislação. Mesmo que não esteja diretamente ligada às suas atividades, as empresas devem contribuir efetivamente para o desenvolvimento social das localidades que afetam.
Para além do discurso raso
Gerar empregos e produzir bens não é justificativa suficiente como papel social de um empreendimento, pois isso é o mínimo necessário para sua própria existência. Ou seja, não cabe nos dias de hoje o discurso raso de que o benefício de uma empresa são os empregos que ela gera.
Sua pegada ambiental e social deve ser prevista, medida e mitigada. No mínimo. E sem merecer aplausos por isso. Mas essa, infelizmente, não é a postura da maior parte do empresariado. Por isso, a tragédia de Mariana deve nos estimular não somente a reflexão, mas também a mudança do status quo.
É fundamental reiterar que o conceito de responsabilidade social empresarial ou socioambiental vai muito além da filantropia, pois se trata de um compromisso real que uma empresa deve assumir com a sociedade em que atua ou impacta. E, mais importante ainda, não estamos falando do que se chama de compliance. A legislação já deve estar sendo cumprida e ponto. Isso é obrigação.
Ações de responsabilidade socioambiental estão além disso! O mínimo (a lei) deve estar sendo cumprido, obviamente. Mas até quando há essa compreensão por parte do empresariado e dos consumidores?
Engajamento é diferente de obrigação
Sob a perspectiva das empresas, ficou claro que, além de uma atuação mais legítima no território, as causas e projetos socioambientais trazem retorno expressivo junto ao mercado. Entre eles estão a melhoria da imagem e a exposição na mídia – o que faz as empresas mais conhecidas e respeitadas, por seus pares, por governos, pela sociedade civil organizada e por consumidores. Mas como decidem o que fazer e quem é que avalia se essas ações são boas ou pelo menos suficientes?
Como essas ações são de cunho voluntário, primeiramente foi feita uma abordagem – por parte das organizações que desenvolverem métricas para isso – para sensibilizar o empresariado. Sem cobranças, mas apresentando metodologias, indicadores e boas práticas.
Com isso existem hoje empresas que realmente são engajadas e praticam ações consistentes e também existem as que ainda sequer atentaram para o fato e se restringem ao cumprimento das leis. Mas, como o mundo é dos espertos, há aqueles que simplesmente usam tais iniciativas como ferramenta de marketing, sem que haja uma preocupação genuína com seu papel no mundo e no local onde atuam.
Responsabilidade socioambiental é muito mais do que uma ferramenta de marketing
O cumprimento dos marcos regulatórios é importante não apenas para evitar responsabilidades na seara administrativa, mas também para proteção da imputação criminal. Friamente falando, as regras também determinam o risco permitido de uma atividade.
O raciocínio de gestores leva sim em consideração até onde vale arriscar cometer imprudências (crimes culposos) ou alguns delitos dolosos (como gestão temerária, por exemplo). Tudo é posto na balança para definir práticas dentro de uma empresa.
Não me atreveria aqui a afirmar que a maior parte das empresas usa a responsabilidade socioambiental com ferramenta de marketing apenas. No entanto, ficou evidente após o desastre em Mariana que o compromisso daquelas empresas com as comunidades locais era muito frágil.
E em tempos nebulosos como o atual, nosso pessimismo nos leva a crer que sim: estamos sendo enganados o tempo todo por comerciais com gente simples, mulheres, minorias e crianças sorridentes. Os fatos reais demonstram que as propagandas são mesmo apenas obras de ficção.
Ações de cunho socioambiental devem ir além!
Existem afirmações de que vivemos hoje a era da ética, e que somente empresas com bom comportamento moral terão vida longa. Para isso, precisam agir dentro das normas, da moralidade e conviver com outras que tenham o mesmo pensamento. Ou seja, acredita-se que está cada vez mais difícil a empresa se diferenciar no mercado somente por produtos ou preços.
O segredo estaria em na qualidade das relações, fundamentada sobre valores e condutas claros e identificados em seus padrões de público.
Temos todos que pensar sobre o desenvolvimentismo. Há uma relação intrínseca entre desastres ambientais – como o de Mariana – e a produção que visa à maximização do lucro. Essa indústria quer fazer frente à expectativa mundial e ocupar o ranking dos mais bem-sucedidos.
Mas, em tempos de crise institucional e moral generalizados, cabe a nós fortalecermos aqueles que fazem da responsabilidade socioambiental o comprometimento e vontade de fazer direito. Com o espírito de só fazer o que é certo, sigamos em frente!
Por: Lucila Egydio
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil