O Valor Econômico publicou nesta semana uma entrevista muito interessante com Michael Porter, considerado o papa da competitividade. Na matéria, ele fala sobre algo que tem tudo a ver com a Raízes: que demandas sociais são fontes para negócios e lucros.
Leia abaixo a matéria de Celia Rosemblum. A gente recomenda!
O papa da competitividade, Michael Porter, professor da Faculdade de Administração de Empresas de Harvard, está há cerca de um ano e meio em busca da forma mais precisa de medir o desempenho dos países em áreas como saúde, educação, ambiente, oportunidade e direitos da população.
Ele é um dos estrelados nomes de um grupo responsável pela construção de um Índice de Progresso Social, que reúne economistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), especialistas e entidades como as fundações Avina e Skoll.
Trata-se de um esforço para entender a complexa relação entre progresso social e desenvolvimento econômico. O novo índice tem a meta ambiciosa de colocar a agenda social e ambiental entre as prioridades de empresas e como foco de políticas públicas.
O Brasil será o primeiro país em que o índice, lançado em abril durante o Fórum Mundial da Fundação Skoll, será apresentado. Porter fará a palestra magna no segundo dia da Conferência Nacional do Ethos – que acontece de 3 a 5 de setembro em São Paulo – em que vai apresentar e analisar os dados relativos ao país, 18º colocado na edição beta do índice que abrange 50 nações – organizadas em um ranking liderado pela Suécia e que tem a Etiópia na última colocação.
Considerado um dos pensadores mais influentes do mundo dos negócios, Porter diz que a relação entre crescimento econômico e progresso social deve ser vista como um caminho de mão dupla. Ele avalia o novo índice como “uma espécie de infraestrutura para o conceito de valor compartilhado”- políticas e práticas corporativas que aprimoram a competitividade da empresa e, de forma simultânea, contribuem para avanços nas condições sociais e econômicas nas quais opera – um dos mais populares entre os conceitos que ele desenvolveu.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista que ele concedeu, por telefone, ao Valor:
Valor: Como nasceu a ideia de desenvolver um índice de progresso social?
Michael Porter : A história deste índice é bem interessante. Não foi, inicialmente, minha iniciativa. Essa ideia foi criada por um grupo de pessoas da Fundação Skoll, da Fundação Avina, e várias outras pessoas muito entusiasmadas com a ideia de ir além das medições econômicas e tentar fazer isso de uma forma diferente. Brizio Biondi-Morra, que foi líder da fundação Avina e é meu amigo há tempos, estava no grupo central que estava desenvolvendo a ideia e perguntou se eu poderia ajudar. Fiquei intrigado, porque fui co-chair do Relatório Global de Competitividade, no Fórum Econômico Mundial, trabalho com medições econômicas e benchmarking há muitos anos e vi o poder de medições rigorosas e do benchmarking. Mas estava claro em meu próprio trabalho que precisávamos reconhecer que desenvolvimento diz respeito tanto ao econômico quanto ao social. É preciso ver que eles são interconectados. Estamos apenas começando, há muito a ser feito, mas esse processo é apaixonante e dá partida a questões críticas que emergem nas ideias sobre desenvolvimento.
Valor: Esse índice está de alguma forma relacionado ao conceito de valor compartilhado?
Porter : É uma espécie de infraestrutura para o conceito de valor compartilhado que, basicamente, diz que quando pensamos em resolver problemas, sociais ou econômicos, precisamos reconhecer que governos e ONGs não são as únicas instituições que podem influenciar nessas questões. O setor privado tem uma profunda capacidade de impactar problemas sociais como moradia, nutrição, cuidados com a saúde. Os negócios nem sempre conseguem enxergar essas oportunidades e veem sua função como atender as necessidades econômicas convencionais. Mas vemos que algumas grandes oportunidades de negócios e lucros vêm de respostas a problemas sociais e necessidades da sociedade. O Índice de Progresso Social é uma poderosa ferramenta para divulgar esforços corporativos para se engajar na sociedade e atender as necessidades sociais. Estamos em contato com líderes em todo o mundo enquanto desenvolvemos esse índice. Acreditamos que os negócios estão prontos para ir além da responsabilidade social. E para se mover em direção ao valor compartilhado, os negócios precisam medir e entender como as sociedades estão progredindo em várias dimensões sociais.
Valor: Como vê a relação entre crescimento econômico e progresso social?
Porter : Nosso trabalho agora mostra de forma muito clara que embora exista uma correlação entre crescimento econômico e progresso social, a relação é imperfeita. Temos alguns países que alcançaram progresso econômico, mas nos quais o progresso social está atrasado. Em outros, e a Costa Rica é um bom exemplo, há progresso econômico, mas o social é ainda melhor. Temos países com níveis similares de renda, mas níveis muito diferentes de progresso social. Com esse novo índice, e essas ferramentas e dados, podemos examinar isso com bastante rigor. Quando mensuramos progresso social o índice foca em resultados reais, não em quanto dinheiro foi gasto ou quanto esforço foi feito. Isso é muito importante porque muitos países acreditam que porque gastam uma alta porcentagem do PIB em educação isso significa que estão bem. Não é assim. Precisamos ver os resultados, e depois ver a correlação entre o que gastamos e o que alcançamos.
Valor: Por que essas medidas precisam ser independentes dos indicadores econômicos?
Porter : Os indicadores econômicos são o que são. Renda é renda. PIB é PIB. Isso está relacionado aos resultados econômicos de toda a sociedade, seja per capita ou por trabalhador ou por qualquer outra medida. Mas o progresso social é diferente. É sua casa, a qualidade da água que você usa, seu acesso à educação ou se você tem oportunidade como mulher na sociedade. Essas coisas são separadas da renda. Nós acreditamos que se misturarmos os dois perdemos a capacidade de entender as circunstâncias reais e o que causa o quê. Têm sido feitos muitos esforços para ir além do PIB. Esses esforços são enfraquecidos por misturar econômico e social. Muitos lugares fazem pesquisas sobre felicidade: a população está feliz? Satisfeita com sua vida? Mas o que realmente precisamos saber é por que. O que estamos tentando fazer é ampliar o rico entendimento de o que é desenvolvimento, o que faz as sociedades avançarem.
Valor: Quais são os aspectos chave para garantir o progresso social?
Porter : Criamos uma definição de progresso social muito ampla, traduzida em três pilares. Um é relacionado às necessidade humanas básicas – abrigo, comida, ar puro. O segundo é relacionado ao que chamamos de as bases do bem-estar, como acesso a conhecimento e à comunicação, um ecossistema sustentável. E a terceira dimensão é o que chamamos de oportunidade, que tem a ver com a oportunidade de o indivíduo se aprimorar – se há inclusão, direitos. Em cada uma dessas dimensões há uma grande variedade de indicadores específicos e esse conjunto de indicadores é resultado de um estudo profundo de toda a literatura, todo o conhecimento nessas áreas. Tentamos colocá-los juntos em uma matriz em que podemos ter dados rigorosos de muitos países. Começamos com 50 países, o que cobre três quartos da população mundial. No próximo ano pretendemos ter cem países, se não mais, conforme aprimoramos os dados a ampliamos o acesso a eles. Essa é a matriz básica. Então para qualquer país, como o Brasil, podemos olhar para o progresso social em geral.
Valor: E como está o Brasil?
Porter : No primeiro índice, o Brasil ficou na 18ª posição entre 50 e isso é bom porque, entre esses mesmos países, o Brasil é o 24º em termos de renda. Então o Brasil teve melhor progresso nas dimensões sociais do que se poderia esperar a partir do PIB per capita. Então é positivo. Por outro lado se você olha com cuidado para a complexidade dos indicadores referentes ao Brasil… O Brasil está indo muito bem em algumas áreas do progresso social, como direitos individuais, em comparação com muitos outros países. Mas há alguns problemas evidentes no Brasil. Embora na média o país tenha um bom desempenho segundo essa matriz geral, em áreas como segurança pessoal, o Brasil é o 47º, embora seja o 18º no geral.
Valor: O que os dados revelam?
Porter : O que podemos fazer com esse framework é fornecer uma espécie de ranking competitividade social, com muita especificidade. Governo, sociedade civil ou a comunidade de negócios podem identificar quais são as três ou quatro áreas em nossa sociedade que devemos enfatizar, porque estão ficando para trás. Qualquer que seja o nível de renda, estamos falhando em realmente fazer nossa sociedade avançar. O que achamos é que há países que vão bem economicamente, mas que ficam para trás em indicadores críticos de progresso social. Isso cria riscos para a Primavera Árabe ou manifestações de rua, porque os cidadãos pensam ‘eu deveria estar bem, mas não sinto que estou bem’, por conta de questões sociais, sejam direitos, ou liberdades, ou outros. O Brasil tem tido sucesso de muitas formas, mas ainda assim há muito debate na sociedade. Nós vemos isso também em vários outros países.
Valor: O senhor acha que as empresas estão realmente preocupadas com o progresso social?
Porter : Tradicionalmente, a mentalidade do mundo dos negócios tem sido voltada a atender necessidades econômicas, produzir bens e serviços, vendê-los com lucro e fazer dinheiro. Com o tempo, os negócios começaram a ter a preocupação de que se a sociedade não fosse saudável, os negócios não poderiam ser saudáveis em longo prazo. Então as empresas passaram a focar no que é conhecido como responsabilidade social corporativa, CSR, e isso na realidade foi fazer doações e patrocinar projetos de caridade e de voluntariado com o tempo dos funcionários. Isso foi um avanço, mas agora estamos entendendo que as maiores oportunidades estão na resolução dos grandes problemas sociais. Os negócios são especificamente bons em atender necessidades de modo eficiente e ter lucro com isso.
Valor: De que forma?
Porter : O negócio típico é especializado em vender produtos projetados para a classe média ou para a classe alta. E agora os negócios em todo o mundo começam a perceber que há um mercado muito maior, a população de baixa renda. O que aconteceria se tivéssemos produtos e serviços para eles a um custo que podem arcar? Acredito que os negócios estão começando a ficar preparados e já estão se engajando em muitas questões sociais nas comunidades em que operam. Tenho confiança de que o Índice de Progresso Social será mais uma ferramenta crítica para fazer a ponte entre os atores da sociedade em torno de alguns objetivos que sejam acordados e que serão benéficos a todos. Quando eu estiver no Brasil teremos todos os atores juntos falando sobre isso. A visita ao Brasil é principalmente voltada a promover o engajamento de todos os atores na sociedade para fazer frente aos resultados do índice. Eu vou apresentar com detalhes os resultados para o Brasil e vamos conversar sobre como avançar nessas áreas. Parte disso é tarefa das empresas, parte é do governo e parte das ONGs. É sempre complicado fazer uma sociedade avançar, particularmente uma sociedade democrática. Mas acredito que exista hoje em todo o mundo uma consciência disseminada de que temos muitas questões na sociedade que precisamos resolver.
Valor: Como o senhor vê o papel dos negócios no futuro, digamos em 20 anos?
Porter : Acredito que os negócios irão de forma crescente redefinir o que estabelecem como propósito. O que vemos é o início do processo de negócios que começam a identificar seu propósito fundamental, que é atender algumas importantes necessidades humanas. A Nestlé costumava se ver como empresa de alimentos. Agora se define como uma empresa de nutrição. O alimento é o produto; a nutrição é o propósito. As companhias estão começando a reconhecer que temos um propósito social. Um bom trabalho em relação a esse propósito social nos permite lucrar e crescer. E o que, de fato, o trabalho sobre valor compartilhado diz é que as maiores oportunidades de crescer e aumentar a lucratividade não estão em necessidades que já são atendidas, mas em resolver essas necessidades não satisfeitas na sociedade – sejam meio ambiente, poluição, ou saúde ou outras. As empresas começarão a ver seu propósito e suas oportunidades de forma diferente.