
O turismo sempre esteve presente como uma das principais formas de encontro entre culturas, territórios e pessoas. Ele tem o poder de abrir horizontes, despertar olhares e conectar mundos. Mas, ao mesmo tempo em que promove descobertas e encantamentos, o turismo também carrega consigo contradições. Dependendo de como é praticado, pode gerar impactos negativos profundos, esgotando recursos naturais, desfigurando paisagens e fragilizando modos de vida locais.
Durante muito tempo acreditamos que a solução seria simplesmente controlar ou minimizar esses impactos. Daí nasce o debate em torno do turismo sustentável, que busca encontrar um equilíbrio: atender às necessidades de quem viaja e, ao mesmo tempo, garantir que as futuras gerações herdem os mesmos territórios em condições preservadas. O turismo sustentável foi — e ainda é — um avanço importante, mas, diante dos desafios sociais e ambientais da atualidade, percebemos que ele já não basta.
A urgência climática, a perda de biodiversidade, a crise hídrica e as desigualdades sociais nos mostram que manter o que temos já não é suficiente. Não basta sustentar, é preciso regenerar. E é nesse ponto que surge o conceito de turismo regenerativo, uma prática que não se limita a equilibrar, mas que busca restaurar, transformar e criar novas formas de relação entre pessoas, culturas e ecossistemas.
Do degenerativo ao regenerativo: uma mudança de paradigma
O pesquisador Daniel Wahl, em Design de Culturas Regenerativas, propõe uma escala que vai do sistema degenerativo ao regenerativo. Adaptando essa visão para o turismo, conseguimos enxergar diferentes estágios que ajudam a entender por que o regenerativo é tão necessário. O turismo de massa, por exemplo, representa um modelo degenerativo, que explora ecossistemas e comunidades sem considerar limites. Aos poucos, surgiram iniciativas consideradas mais “verdes”, de turismo responsável, que buscam minimizar danos, com o uso mais consciente de recursos, compras locais ou a redução de plásticos descartáveis.
O turismo sustentável, por sua vez, surge como um ponto de equilíbrio, inspirado no Relatório de Brundtland, garantindo que o que recebemos hoje seja entregue às próximas gerações. Turismo em Unidades de Conservação e modelos de visitação que respeitam a capacidade de carga são exemplos claros desse estágio.
No entanto, diante da crise ambiental e social que vivemos, manter o que temos já não é suficiente. É preciso dar passos mais ousados, que nos levem a experiências restaurativas, capazes de recuperar o que foi perdido, como, por exemplo, projetos de turismo que envolvem reflorestamento de áreas e criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural. Nesse estágio há projetos inspiradores como a Biofábrica de Corais, que usa o turismo como estratégia para recuperação de recifes em Pernambuco.
Ainda mais profundo é o que podemos chamar de um momento reconciliatório do ser humano com suas origens, que rompe a separação artificial entre cultura e natureza. Edgar Morin nomeia esse processo de religare, um retorno à compreensão de que somos parte da vida natural e não uma entidade externa a ela. Ailton Krenak reforça esse olhar ao lembrar que humanidade e natureza são inseparáveis. Esse ponto de reconexão abre caminho para o turismo regenerativo, que não se limita a restaurar, mas cria condições para que a vida floresça. Ele convida a uma mudança de paradigma, colocando a ecologia e a coletividade no centro e propondo um outro modo de estar no mundo.
O que significa regenerar através do turismo?
O turismo regenerativo não se resume a plantar uma árvore ao final de um passeio. É uma forma de ver o mundo que transforma tanto quem viaja quanto quem recebe, porque se organiza em torno da devolução de vitalidade aos ecossistemas e do fortalecimento de identidades culturais.
Aldeias indígenas que compartilham sua cultura de forma autônoma, quilombos que resgatam práticas ancestrais, hospedagens que investem em bioconstrução e permacultura são exemplos de como a atividade turística pode deixar um legado de abundância em sintonia com o que é orgânico e ancestral.
Essa perspectiva também se manifesta nas escolhas do dia a dia de quem viaja. Quando optamos por hospedagens familiares, valorizamos alimentos locais e sazonais, preferimos meios de transporte menos poluentes e respeitamos o tempo do território, estamos contribuindo para regenerar. Quando buscamos aprender com saberes ancestrais, apoiamos a bioeconomia e nos inspiramos em soluções que imitam a inteligência da natureza, reforçamos essa rede de vida. Cada gesto, por menor que pareça, ajuda a fortalecer o movimento.
Muito além do impacto
O turismo regenerativo aponta para um futuro em que a viagem não é apenas deslocamento ou experiência individual, mas uma oportunidade de coevolução com os lugares visitados. Ele pede uma mudança de olhar: de turistas que apenas consomem para viajantes que se integram, respeitam e colaboram. Essa transição exige tempo, sensibilidade e disposição para aprender com as comunidades e os ecossistemas que nos recebem.
Mais do que uma “tendência” (que está por definição em uma lógica consumista), trata-se de um chamado para repensarmos nossa forma de estar no mundo. Ao escolher caminhos regenerativos, o turismo se transforma em um espaço de reconexão e de criação de novos sentidos para a vida coletiva. É nesse encontro entre culturas e naturezas, entre o local e o global, que a atividade turística pode deixar de ser ameaça destruidora e se tornar força de regeneração.
Por Mariana Madureira, Jussara Rocha e Tauana Costa
Foto 1: Biofábrica de Corais
Foto 2: Livro Design de Culturas Regenerativas