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Ribeirinhos e suas peculiaridades: como anda a comercialização das lindas cuias de Aritapera

Temos o privilégio de conhecer um Brasil que nem sempre é visto. É o caso dos povos ribeirinhos e suas peculiaridades, tão diferentes das necessidades e vivências do “homem das grandes cidades”. Uma dessas experiências nos levou à comunidade de Aritapera, num projeto em parceria com a Artesol e o Ministério do Turismo, entre 2010 e 2011, junto à Associação das Artesãs Ribeirinhas de Santarém.

O objetivo inicial era fomentar o turismo como alternativa de geração de renda para a comunidade de ribeirinhos. Mas por meio de um diagnóstico e oficinas, percebemos que a logística era complexa. A estrutura precária tornava o desenvolvimento do turismo um imenso desafio. Assim, era impossível consolidar um projeto complexo, com baixo orçamento e curto prazo. A alternativa foi fazer um esforço conjunto para tornar o artesanato tradicional produzido – as cuias – uma opção para o mercado turístico já consolidado de Santarém.

Agora, alguns anos depois, conversamos com uma das pessoas da Artesol que mantém contato com essas mulheres, a Sheila Maiorali. Coordenadora técnica e financeira da Rede, ela contou um pouco pra gente como anda o cenário atual.

 

Raízes: Sheila, como anda a relação com essas artesãs ribeirinhas anos depois?

Sheila Maiorali: Acho a história desse grupo fantástica! É um grupo que é difícil acesso. O contato é só através da Rubia, que fica na capital do Pará, Belém, uma das filhas de umas das artesãs. E então todo o contato que eu tenho é com ela. Eu nunca consegui falar com uma artesã, o telefone não tem sinal. Nas épocas de chuva e cheia, elas se “aprofundam” cada vez mais na mata.

A cuia foi reconhecida como patrimônio cultural brasileiro desde há cerca de dois anos. Mas o grupo não é muito ativo na comercialização delas em pontos de venda em Belém. Não é um grupo que vive 100% do artesanato.

A última vez que conversei com Rubia, elas não estavam vendendo muito, por ser produto que tem sempre os mesmos modelos, chega uma hora que cansa e as pessoas acabam não se interessando muito. Mas independente de estar vendendo ou não, elas produzem. É um grupo que está lá quietinho, que não tem uma ação mais presente na comercialização pelo fato do produto ser estático. O que eu acho lindo, não estou desmerecendo!

 

Raízes: E poderia contar um pouco, sob sua visão, como foi o andamento do projeto à época?

SM: Então, eu não acompanhei muito esse projeto, porque eu fazia parte de outra área, mas ajudei bastante. Em relação ao objetivo do projeto, ele foi cumprido. No meio do caminho, houve a mudança de direcionamento, mas ele foi cumprido, e isso foi em parceria entre a Artesol e a Raízes, que viu, “poxa, vamos mudar, acho que não é bem por aí”. Teve essa troca de expertise, tanto da Raízes quanto da Artesol.

O resultado para o grupo em si, mesmo que fosse o projeto a coisa mais maravilhosa, tem suas particularidades. A comunidade própria barra algumas coisas, pelo fato de serem senhoras, terem rotinas diferentes, várias coisinhas, que faz com que ele seja assim, único. Qualquer projeto que venha para fazer cuia, vai ser assim.

E esse é o grande charme, o grande barato está exatamente nessas peculiaridades (da comunidade de ribeirinhos). Não é defeito, nem problema, são características do grupo. E temos de entender e respeitar isso. Impor é uma falta de respeito. Se você quer comprar a cuia, vai ter um produto fantástico! Mas tem todas essas variáveis…Com a cheia, é a cuia que não seca. Outra vez, é o xixi que não é suficiente. Tudo isso tem que ser considerado, o que leva a características culturais e territoriais do grupo.

O turismo comunitário era algo que a gente queria, mas acabou não acontecendo, primeiro porque não tinha verba, e o acesso era muito inviável para dar sequência nisso. Mas se você falar com a Rubia, “preciso de 500 cuias”, elas vão produzir! Mas o grupo está lá quietinho, não tem tanta saída, tanta mídia como outros grupos.

 

Raízes: Sobre a importância da Rede Artesol, qual é o papel nessa relação?

SM: Todos os grupos que a Artesol já trabalhou tem a intenção de dar continuidade por conta da rede, é fazer essa ponte entre agentes de apoio, entre consumidor, entre lojista, então sempre estamos atualizando os dados, e imagens, etc. para que essa rede esteja viva, para que ela possa se movimentar.

Criamos uma plataforma, com atualização de imagens, fotos, dados, e para quê? Para que essa Rede fique ainda mais chamativa para que essas pessoas realmente se interessar por esse produto. O papel da rede é a movimentação para que esse tipo de negócio funcione. A Artesol tem uma procura que tem mais agora do que antes, de comerciantes que querem comprar, mas não querem ter o trabalho de encontrar essas pessoas. Então a gente cobra e faz essa ponte.

Tem pessoa que entrar na rede e pensa “eu mesmo vou fazer a rede direta com ele (o artesão)”. (Pra gente) o que importa é a Rede ter visibilidade e essas pessoas que querem, possam chegar até esses grupos.

Hoje em dia, esses grupos que já temos contato não precisam mais de capacitação como antes, eles já sabem fazer. Eles precisam de uma forma de que as pessoas (que se interessam em comercializar os produtos) consigam chegar até eles. Mas as pessoas precisam ter esse acesso.

 

Sempre falamos que ouvir e, assim, compreender as necessidades das comunidades é uma das etapas mais importantes de nosso trabalho – e de qualquer projeto de cunho social (aqui, alguns passos que sugerimos). Por isso, para nós, a lição que fica é mais uma vez essa. Nem sempre a nossa visão de fora irá abranger o que é real e possível. Mas alternativas, sim, são bem-vindas e podem ser promissoras.

Vida longa à essas mulheres, a suas lindas artes e ao patrimônio cultural brasileiro!

 

*Tentamos falar com Rubia Goreth, citada na entrevista, para complementar o texto com a visão de uma pessoa local, mas não conseguimos a tempo de publicar a notícia.