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Escutar com qualidade e atenção: como isso pode mudar os seus projetos (e as suas relações!)

Quem trabalha com projetos envolvendo pessoas deve concordar comigo: lidar com opiniões e realidades diferentes às nossas não é tarefa fácil. É preciso uma boa dose de empatia, aliada a uma receptividade na medida certa para compreender o caso e encontrar a solução. Em resumo, exercitar a arte de escutar.  

Uma das premissas dos projetos que realizamos na Raízes é ter foco nas pessoas, entender a realidade, o que o cliente quer e, em conjunto, encontrar a melhor solução. Na nossa visão, em todos os projetos é fundamental criar um ambiente de abertura e confiança entre os participantes. Isso funciona para “destravar” processos e relações – o que, consequentemente, traz a atenção de cada um às suas pressuposições, o que acreditamos que já sabemos sobre determinado assunto ou situação.  

Uma das metodologias que utilizamos muito em nossos processos é a Teoria U. Desenvolvida pelo alemão Otto Scharmer, professor da escola de negócios do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets), a Teoria U é focada em lidar com problemas complexos, que precisam de uma investigação profunda da realidade para que a mudança aconteça e que envolvem atores de setores diversos (conhecidos no meio corporativo como stakeholders). Será que isso lembra alguma coisa do seu dia a dia? 

Não tem jeito: lidamos com problemas complexos a todo momento e escutar é parte crucial do processo inicial de compreensão em qualquer contexto. Precisamos partir da escuta, para em seguida entender como iremos falar. A estrutura de um diálogo normal, como você o conhece.  

Quando conheci e passei a estudar a Teoria U comecei a encarar os desafios dos clientes (e os meus próprios, por que não?!) sob uma nova ótica, uma perspectiva diferente. E posso dizer, sem medo de errar, que de uma maneira que trouxe resultados muito melhores.  

A Teoria U divide a escuta, e consequentemente o diálogo, em 4 níveis distintos, que vou explicar brevemente aqui. 

 

Piloto automático – Nível 1 

Neste primeiro nível está o que é chamado de Dowloading. É uma escuta no piloto automático. Aquela em que você não está de fato escutando o que o outro diz, muito menos absorvendo alguma informação. O famoso entrar por um ouvido e sair pelo outro. 

Levando para o diálogo, podemos comparar com aquelas conversas de elevador ou com conhecidos com quem não temos muita intimidade, mas acabamos encontrando na rua. Falamos a partir do que o outro quer ouvir, sem pensar com profundidade a respeito. 

 

Escuta objetiva – Nível 2 

O segundo nível de acordo com a Teoria U é o da escuta objetiva. Neste nível, você começa a perceber as diferenças na fala do outro, mas apenas concordando ou discordando. Dentro de uma conversa, é o que pode ser chamado de nível do debate.  

É desta maneira que a maioria do pensamento científico está organizado e podemos ilustrar com um debate político na TV. Você não está, de verdade, interessado em escutar o ponto de vista do outro: está ouvindo e já pensando em argumentos para rebater. 

 

Escuta empática – Nível 3 

O terceiro nível é o da escuta empática. Como o próprio nome sugere, aqui você desenvolve uma conexão emocional com o outro e entra em uma investigação reflexiva. Sem a necessidade de concordar ou discordar, mas se colocando no lugar do outro.  

Fica com a mente e o coração abertos, se vendo como parte do sistema e sem a necessidade de defender com unhas e dentes seu ponto de vista.  

 

Escuta generativa – Nível 4 

O último nível é o da escuta generativa. Durante uma conversa você já ouviu alguém falando e teve um super insight? Ou aquela conversa em que todos os que estavam participando entraram em estado de “fluxo” e conseguiram usar a criatividade coletiva para chegar em um lugar novo, independente das opiniões individuais?  

Esse é o lugar onde a mágica acontece: onde aparecem novas possibilidades.  

 

Na prática 

Agora que você já consegue ter uma ideia de quais são os quatro níveis de escuta pode estar pensando: e o que isso tudo tem a ver com o meu trabalho. Pela minha experiência, digo que tem muita coisa a ver. O principal deles, para mim, é entender melhor as demandas dos seus projetos, tanto ouvindo melhor seu cliente quanto compreendendo mais a fundo a realidade do campo. Estar mais atento às diferentes formas de escuta permite transitar em diferentes universos.  

A partir daí, o exercício da escuta ativa te auxilia a fazer com que todo o processo e as soluções encontradas sejam mais eficientes. Afinal, estarão sempre ancorados na realidade de cada campo e não apenas em suposições e crenças pré-estabelecidas.  

O fato é que não existe solução pronta, não é uma receita de bolo. Cada contexto é muito importante e a comprensão deste contexto precisa moldar o que vai ser feito. E, em consequência, permear todo o processo. Trabalhar estes conceitos e despertar esta percepção nas comunidades em que a sua empresa está inserida e nos projetos que sua empresa desenvolve é extremamente útil. Fundamental, até.  

 

Qual é o melhor nível de escuta? 

Na realidade, o mais importante da tomada de consciência destes níveis não é julgar que um é melhor que o outro. Existem vários momentos de nossa vida em que as respostas automáticas são necessárias; em outros momentos, a melhor opção é o debate. O importante é compreender quando você está operando em determinado nível, mas precisa mudar sua chave mental para outro.  

Como fazer isso? Com qualidade de presença e atenção. Passar do nível 1, que é um estado automático, para o nível 2 de debate requer disposição para enfrentar a tensão, um possível confronto. Passar da tensão do nível 2 para a empatia do nível 3 requer abertura, aceitação de que não precisa impor seu ponto de vista. E é essa abertura que precisamos buscar para a criação de novos caminhos coletivos.  

É tentador voltar do estado de tensão do nível 2 para a “educação forçada” e falas automáticas do nível 1. Mas acredito que é só rompendo esta barreira e estando abertos e empáticos que podemos ter novos insights – e de fato cocriar. O nível 4, o generativo, vem automaticamente quando estamos abertos. 

Se você se interessou pelo assunto, o Presencing Institute, criador da Teoria U, está com vagas abertas para uma nova turma do U.Lab, um curso online sobre esta metateoria que começa em setembro. É grátis, em inglês, e o link está aqui 

 

Por: Tauana Costa

 

Crédito da imagem: Reprodução/Rosy Soul