
Em 2025, Belém do Pará será o centro das atenções globais ao sediar a COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Mas, além dos debates oficiais e negociações diplomáticas das Blue Zones e dos movimentos de ONGs, ativistas e pesquisadores nas Green Zones, um movimento potente e inédito se espalha pelas bordas da cidade: as Yellow Zones, territórios vivos de resistência, cultura e ação climática, idealizados pela Coalizão COP das Baixadas.
Esse coletivo, formado por 15 organizações das periferias de Belém e Castanhal, tem um objetivo claro: descentralizar o debate climático e deixar um legado duradouro nas comunidades amazônicas. As Yellow Zones representam uma nova forma de fazer COP: com os pés no chão, ouvidos atentos às vozes das quebradas e mãos trabalhando por soluções reais.
Para aprofundar a conversa sobre as Yellow Zones e o papel da juventude periférica amazônica na construção de alternativas ao modelo tradicional da COP, trouxemos dois representantes essenciais desse movimento: Jean Ferreira, do Gueto Hub, um dos coletivos que ajudou a criar a COP das Baixadas, e Suane Melo, da Barca Literária, que atua na organização das Yellow Zones em Belém.
Eles compartilham suas trajetórias, desafios e esperanças, trazendo a perspectiva direta das periferias amazônicas sobre o que está em jogo na COP30 e na luta por justiça climática e social.
Confira a seguir!
Raízes DS: Como você enxerga a oportunidade (ou o risco) da COP30 acontecer em Belém para as comunidades periféricas e tradicionais da Amazônia?
Suane: A COP30 pode ser uma grande oportunidade para debater a pauta climática a partir da nossa visão, mas só se realmente participarmos, o que não está acontecendo. Hoje, a COP30 é um risco para as comunidades periféricas e tradicionais, porque está virando um momento para fazer grandes obras sem o debate verdadeiro da pauta climática. Isso vai deixar uma herança ruim para todos. Algumas comunidades, como a da Vila da Barca, serão mais impactadas rapidamente, por conta da Rodovia Liberdade, por exemplo. A obra da Doca não resolve os problemas reais da cidade, e eu não concordo com isso.
R: Quais são os principais desafios enfrentados pelas periferias amazônicas para participar dos debates climáticos globais? E como vocês têm enfrentado esses desafios?
S: Um dos maiores desafios é a falta de espaços para debater esses temas. O governo trata a COP como uma janela para fazer dinheiro e não para ouvir as pessoas. As pautas que são parte da crise climática — saneamento, falta de água, alagamentos — não são colocadas para a comunidade debater de verdade. Em resposta, criamos as Yellow Zones, que são espaços organizados para que as comunidades possam discutir o clima e receber visitantes durante a COP. Esses espaços são seguros e acessíveis, e queremos ampliar isso para outras regiões, levando a proposta para outras COPs. Também realizamos eventos comunitários, como um festival gastronômico com mulheres da Vila da Barca, para fortalecer esses territórios.
R: O que você espera que os tomadores de decisão presentes na COP30 aprendam com as experiências e práticas das Yellow Zones?
S: É possível debater o clima de forma organizada, acessível e comunitária, não só em termos técnicos ou acadêmicos. Que as periferias têm uma visão própria e fundamental sobre justiça climática. E que a pauta do clima é também uma pauta de vida, cultura e direitos das pessoas que vivem na base da sociedade.
Raízes DS: Como surgiu a COP das Baixadas e qual a importância de um movimento periférico e amazônico protagonizar ações em paralelo à COP30?
Jean: A COP das Baixadas surgiu em 2022 com a organização que faço parte, o Gueto Hub. Na época, não existia um letramento climático, então começamos a construir isso dentro da nossa trajetória, mostrando que todo mundo pode aprender sobre essas questões. A gente não sabia nada sobre clima, mas aprendeu que muitos termos e conceitos usados em discussões oficiais são complexos e pouco acessíveis para as periferias. Criamos um projeto chamado Mó Climão para convidar ativistas que ensinavam e para aprendermos juntos. O nome “COP das Baixadas” vem do jeito que chamamos nossas periferias aqui em Belém, com a intenção de fazer um movimento local, periférico, que tivesse voz e protagonismo na pauta climática, algo que a COP oficial nem sempre oferece. A ideia era reunir organizações periféricas para debater, mesmo que de maneira crítica, já que sentíamos que a COP oficial excluía muita gente da base.
R: Qual o papel da juventude periférica amazônica na construção das Yellow Zones e no debate climático mais amplo?
J: A juventude periférica é quem dá a coragem de fazer o que parece difícil. Tem uma mistura de coragem e até uma certa “imaturidade” saudável de achar que as coisas são possíveis, mesmo sem experiência. A COP das Baixadas foi feita por jovens, muitos deles dirigentes de organizações. A ideia da Yellow Zones é parecida: é uma mensagem de que não concordamos com os formatos tradicionais da COP e queremos construir algo novo, que inclua a população periférica, que leve em conta a realidade local. A nossa mensagem é clara: a COP não é sobre o Brasil, nem sobre Belém, então por que realizar o evento aqui e não considerar o entorno e as pessoas que vivem aqui?
R: O que você gostaria que os líderes e negociadores globais ouvissem e compreendessem das vozes que vêm das Yellow Zones e das juventudes da periferia amazônica?
J: Eles precisam entender que há dois lugares distintos: os acordos ambiciosos e a ação climática prática. Os acordos globais são importantes, mas só vão salvar um pedaço da humanidade — os mais ricos que poderão se proteger das catástrofes. Enquanto isso, o resto da população, principalmente nas periferias, sofre com os impactos agora. Focar apenas nos acordos significa aceitar um genocídio silencioso. É preciso compromisso concreto com ações práticas que ajudem a vida das pessoas já afetadas. Além disso, a ação precisa ser jurídica e vinculante, e não só um acordo baseado em confiança e boa imagem, pois isso não está funcionando.
R: Como você vê a relação entre justiça climática e justiça social no contexto da Amazônia urbana e periférica?
S: A justiça climática só existe se houver justiça ambiental, que reconhece que nem todos são afetados da mesma forma. Todos deveriam ter direito igual a benefícios ambientais. A justiça climática inclui o papel dos países ricos, que poluem mais, em assumir mais responsabilidades. Em Belém, infelizmente, não há justiça climática nem social. A comunidade da Vila da Barca, por exemplo, recebe esgoto e lama da obra da Doca — isso é uma injustiça ambiental e social flagrante. A COP só veio acelerar essas desigualdades, não resolvê-las.
J: A justiça climática é, na verdade, a própria justiça social para que possamos resistir às catástrofes. Se um território perde o acesso ao rio, por exemplo, perde soberania alimentar. Se as pessoas não têm emprego e acesso ao meio ambiente, estão praticamente sentenciadas. Criar territórios menos vulneráveis é ampliar as chances de sobrevivência dessas pessoas. Além disso, a justiça também envolve preservar a memória, a cultura e os espaços de convivência, que são essenciais para a resistência e para a reconstrução após uma crise. Perder práticas culturais ou espaços comunitários é uma perda irreparável para essas comunidades.
As Yellow Zones são muito mais do que espaços paralelos à COP30. Elas são o coração pulsante de uma resistência amazônica periférica que exige ser ouvida e respeitada. São territórios onde a justiça climática se confunde com a justiça social, onde cultura, memória e saberes locais se juntam para construir caminhos reais diante da crise global. A Coalizão COP das Baixadas, com seu protagonismo jovem e periférico, nos mostra que um outro jeito de fazer política ambiental é possível, urgente e necessário.
Enquanto a COP oficial se realiza no centro dos holofotes, as Yellow Zones reafirmam que o futuro do planeta se decide também nas periferias, com as vozes daqueles que mais sofrem e que, com coragem, reinventam o cuidado com a Terra — começando pela sua própria casa.
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