Skip to main content

Precificação ética na COP30: e se o preço certo for uma escolha coletiva?

Durante uma aula sobre precificação no curso de hospedagem domiciliar para a COP30 em Belém – oferecido pela Raízes em parceria com a Diaspora.Black e voltado para 50 moradores da cidade –, me deparei com uma discussão intensa e reveladora. Em meio a planilhas, cálculos e definições de margem de lucro, emergiu a pergunta que ainda ecoa: qual é o preço justo?

Nas últimas semanas, o tema virou manchete internacional. A especulação imobiliária e os preços abusivos das hospedagens para o evento geraram até uma crise diplomática. Delegações estrangeiras alertaram que os valores praticados podem esvaziar a COP30, comprometendo a participação de organizações da sociedade civil e de países em desenvolvimento. Como mostrou a reportagem da GloboNews, essa é uma preocupação real e urgente. Também vale a leitura do artigo da Capital Reset/UOL, que aprofunda o debate.

Foi nesse contexto que propus aos alunos um olhar mais ético e estratégico para a precificação de seus imóveis. Afinal, estamos falando de pessoas reais, com sonhos e contas a pagar, mas também de um evento global que mobiliza causas ambientais e sociais urgentes.

Precificação é mais do que calcular

Sempre que dou aula sobre precificação, minha primeira preocupação é clarificar os conceitos básicos: custos fixos, custos variáveis, ponto de equilíbrio, margem de lucro. É fundamental ensinar a identificar esses valores dentro de cada tipo de negócio e cruzá-los com uma pesquisa de mercado bem-feita. Mas também é essencial lembrar que precificar não é só um exercício de números, é também uma questão de valores.

O preço que colocamos no nosso trabalho diz muito sobre como o enxergamos. Quando alguém não valoriza o próprio esforço, tende a reduzir margens ou ignorar custos importantes, o que pode levar a um negócio financeiramente inviável.

O céu é o limite? Ou o bom senso?

Durante o curso, percebemos uma tendência alarmante: preços exorbitantes para imóveis simples, com proprietários querendo ganhar em doze dias o que talvez não ganhariam em cinco anos. Entendo a oportunidade, pois de fato, é um evento único, mas será que vale colocar tudo a perder?

Saí da aula com várias questões na cabeça. Como incluir no cálculo de preços os investimentos em enxoval, estrutura e melhorias que ficarão para além da COP30? Devemos diluir esses custos ao longo do tempo ou repassá-los integralmente aos hóspedes do evento? E os custos mensais – como luz, água, internet – devem ser divididos por 12 dias ou pelo mês completo?

Essas perguntas não têm respostas únicas. Mas acredito que uma precificação consciente deve considerar:

  • Custo real + estratégia de longo prazo: investimentos em lençóis e toalhas, por exemplo, devem ser diluídos em mais de uma locação. 
  • Transparência nas contas: despesas como internet, energia e água podem ser divididas proporcionalmente aos dias de hospedagem. 
  • Pesquisa de mercado com senso crítico: olhar os preços praticados, sim, mas também o perfil do público e sua capacidade de pagamento. 
  • Preço justo é diferente de preço baixo: qualidade, conforto e experiência podem justificar um preço premium, desde que sustentado por ética, empatia e clareza na comunicação.

Um aprendizado coletivo

Precificação, para mim, é um processo vivo. A cada aula, a cada mentoria, aprendo junto com quem empreende. A COP30 trouxe uma nova camada a esse debate: o desafio de equilibrar oportunidade, justiça e sustentabilidade.

É possível ganhar com dignidade. É possível empreender com propósito. E é possível fazer parte de um evento como a COP30 sem cair na armadilha do lucro a qualquer custo.

Se você é anfitrião ou anfitriã em Belém, fica aqui o convite: repense seus preços. E mais do que isso, pense no impacto que sua escolha pode ter – não só no seu bolso, mas na imagem da cidade, no sucesso do evento e no legado que ele pode deixar.

Por Cláudia Gonçalves

 

Foto: Barbara Ataide