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Hospitalidade com propósito: quando a solidariedade abre as portas de Belém para a COP30

Belém se prepara para receber a COP30, em novembro, e nunca a palavra hospitalidade foi tão urgente. O desafio é enorme: a cidade enfrenta um déficit histórico de leitos, agravado pelo aumento abusivo nos preços de hospedagem. Em meio a esse cenário, surge uma resposta criativa e solidária: a Rede de Hospitalidade com Propósito, iniciativa de igrejas católicas e evangélicas que pretende oferecer hospedagem gratuita ou a preços justos para visitantes da conferência.

A rede nasceu inspirada no espírito comunitário do povo paraense e na tradição de acolhimento do Círio de Nazaré, mas foi além. Em apenas algumas semanas, já somava mais de 800 leitos cadastrados e tem como objetivo entre 1 mil e 3 mil vagas em até 45 dias. Salas de igrejas, sítios usados em acampamentos e até casas de famílias estão sendo disponibilizados. A plataforma hospitalidadecomproposito.org está aberta para anfitriões, voluntários e instituições interessadas em se engajar.

Mais do que resolver um problema imediato, a Rede demonstra que a hospitalidade pode ser vivida como prática social, ética e coletiva — uma forma de resgatar a confiança, promover justiça e colocar a solidariedade acima das diferenças religiosas ou econômicas.

Preços que viraram notícia internacional

A alta abusiva nos preços de hospedagem em Belém para a COP30 virou notícia internacional. Há registros de diárias anunciadas por mais de US$15 mil e até pacotes de R$2 milhões para 11 dias. Plataformas de aluguel chegaram a listar casas com preços comparáveis ao de imóveis inteiros à venda na cidade.

A ONU classificou os valores como “exorbitantes”, apontando que a diária média da cidade saltou de US$149 para US$700 — mais de quatro vezes acima da referência. O episódio levantou críticas sobre o risco de a COP30 se tornar “a mais excludente da história”. A própria Ministra do Meio Ambiente Marina Silva afirmou que é “inaceitável cobrar 10 a 15 vezes mais do que o valor normal”.

Esse contrassenso, que expõe a fragilidade do modelo baseado no capital, foi o gatilho para que a sociedade civil buscasse soluções fora do mercado tradicional.

O Círio como inspiração e memória viva

Belém já tem no DNA um grande evento capaz de movimentar milhões de pessoas: o Círio de Nazaré. Segundo o site oficial do Círio, a celebração é uma das maiores expressões de fé e devoção à Nossa Senhora de Nazaré. Com mais de dois séculos de história em Belém (PA), o evento recebeu o reconhecimento de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo IPHAN e também foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO.

Todos os anos, no mês de outubro, famílias recebem parentes, amigos e até desconhecidos em suas casas. Mais do que um arranjo logístico, a iniciativa mobiliza um patrimônio cultural e afetivo da cidade: o espírito de abrir as portas e compartilhar. Igrejas evangélicas também abraçaram a proposta, mostrando que a solidariedade pode superar fronteiras religiosas e se tornar um testemunho concreto de convivência plural.

 

Hospitalidade

Foto: Círio de Nazaré/Reprodução

Economia solidária em prática

O que está acontecendo em Belém também é um exemplo prático de economia solidária. De acordo com um dos principais teóricos desse tema, Paul Singer, trata-se de um modelo alternativo ao capitalismo  organizado sob a forma de modelos associativos e de autogestão, com princípios de democracia, solidariedade, consumo consciente, cooperação, justiça social e respeito à natureza.

Na Rede de Hospitalidade com Propósito, essa definição ganha vida: famílias e instituições não estão explorando a demanda, mas compartilhando recursos e responsabilidades para garantir que todos possam participar da COP30. É um modelo inclusivo, que contrasta com a lógica predatória do mercado e mostra que é possível criar alternativas justas e sustentáveis.

Na Raízes, já debatemos em outro momento sobre a precificação justa no evento. Também contribuímos ofertando gratuitamente o curso Hospedagem Domiciliar na COP30 voltados a soluções comunitárias de hospedagem, fortalecendo a capacidade de anfitriões e comunidades se organizarem de forma mais justa.

A Conferência será um marco global na luta contra a crise climática. Aqui na Raízes, acreditamos que iniciativas como essa encarnam o futuro que imaginamos: colaborativo, inclusivo e consciente. Continuamos à disposição para apoiar e fortalecer essas redes, porque hoje, mais do que nunca, “hospitalidade” é verbo que transforma.