
Economia é um tema difícil e chato. Assim resumem muitas pessoas que preferem nem se arriscar a estudá-la e debatê-la. Que não é das disciplinas mais fáceis, eu concordo. Mas discordo dos que não enxergam certa poesia na sua complexidade.
A economia, ainda que alguns pensem que é uma ciência exata, é do campo das ciências sociais aplicadas. Isso acontece porque os números são previsíveis, mas as nossas escolhas econômicas estão na esfera do demasiado humano.
A origem da palavra economia (oikos – casa; nomos – regramento/gestão) denota o quanto sua função está associada a gerir recursos escassos. A economia serve para pensarmos as melhores formas de aplicar nossos recursos limitados na gestão de uma casa – seja ela nosso lar ou o planeta inteiro.
Que recursos são esses?
Uma grande distorção difundida pelo pensamento capitalista neoliberal foi a noção de que o recurso mais escasso e importante do planeta é o financeiro – representado por dólares, ouro, ações, criptomoedas, dentre outras invenções desse sistema.
A palavra invenção é usada aqui de forma bastante intencional, uma vez que sistemas são rapidamente naturalizados e, assim, nos esquecemos que eles foram um dia criados por pessoas. Nós inventamos – na verdade 38 homens brancos inventaram em Mont Pélerin – um sistema econômico que cria:
- Desigualdades sociais cada vez maiores – o economista Piketty (2014) já nos alertou que só vimos abismos sociais maiores em sociedades que permitiam a escravidão humana. O relatório recente da Oxfam (2025) também nos mostra como essa desigualdade é crescente. Os 2.900 bilionários do mundo recebem por dia o que um trabalhador de salário médio no Brasil precisaria de 640 anos para acumular.
- A socialização de externalidades e individualização de lucros – isso acontece toda vez que pessoas ficam milionárias, bilionárias (e agora até trilionárias) explorando recursos naturais que deveriam pertencer a todos sem serem taxados devidamente por emissões de carbono e outros danos ambientais que suas operações privadas geram para todo o coletivo. Voltamos ao Relatório da Oxfam que nos aponta também a desigualdade entre pessoas na geração de impactos ambientais. Bilionários emitem em uma hora gases de efeito estufa que pessoas do grupo dos 66% mais pobres do mundo levam toda a vida para emitir.
- a transformação da natureza em recurso – um processo que alguns autores como Morin denominam de dessacralização da natureza e faz com que, para além da biodiversidade, percamos cada vez mais o vínculo com a nossa essência. Segundo Daniel Wahl (2016, p.33) “o grande problema com a ideia de que a natureza e cultura são separadas é que nos predispõe a criar culturas que exploram e degradam os ecossistemas por toda parte. Tais culturas tendem a ter sistemas econômicos focados em torna das noções de escassez e vantagem competitiva, enquanto culturas regenerativas entendem como a vantagem colaborativa pode fomentar a fartura compartilhada”.
A grande questão é: se a gente inventou esse Sistema que nos trouxe ao atual cenário de policrises, não é hora de inventarmos algo diferente?
Por que não regenerar a economia?
Regenerar pode ser entendido como o processo de criar vida à partir do reconhecimento de que algo merece renascer. O ciclo de vida – morte – vida se aplica às pessoas, animais, plantas, objetos, empresas, ideias… Todos os dias morrem e nascem novas (ou rebrotam antigas) formas de existência.
Vários caminhos têm sido pensados para regeneração da economia: a Economia Circular (percebe o resíduo como erro de design do sistema), a Economia do Cuidado (inclui os U$ 10,8 trilhões gerados pelo cuidado não remunerado), Economia Estacionária (manutenção constante sem crescimento), Economia de Decrescimento (redução dos impacto ambientais com novos parâmetros), Economia Donut (atenção ao limite planetário para os nossos excessos e o limite humano para a escassez – o lugar seguro para vida), Economia do Bem-Viver (descolonizar a economia com saberes ancestrais e integração com a natureza), dentre outras.
Para ficar em um exemplo de como essas mudanças podem gerar revoluções, a Economia do Cuidado é formada por todo o trabalho não contabilizado para criar crianças sua autonomia, apoiar idosos, pessoas com deficiências e outros grupos vulneráveis com vias à dignidade e acesso a direitos básicos. Esses cuidados estão quase sempre vinculados ao gênero feminino e além de pouco valorizados, não são valorados. O atual cenário decorre de heranças escravocratas (quem cuidava não recebia) e de uma sociedade que ainda é patriarcal (as mulheres têm menos importância). Por esse motivo, uma pesquisa recente do Think Olga no Brasil (2025) apurou que as mulheres gastam, em média, 61 horas por semana em trabalhos não remunerados. Os homens gastam 11.
Mas como seria nossa sociedade se esse trabalho fosse contabilizado? A pesquisa do Think Olga reforça um dado que Muhammad Yunus defende há décadas para justificar seus empréstimos sociais sempre às mulheres: elas gastam 90% dos seus recursos com os outros e apenas 10% em projetos individuais.
É importante refletirmos como seria nossa sociedade se as mulheres tivessem mais acesso a recursos. Como seria nossa sociedade se o sistema não alimentasse e aumentasse as desigualdades. É tempo de regenerar a Economia! E só será possível se começarmos por revisitar nossos conceitos do que tem valor, o que precisa ser conservado e o que precisa ser distribuído.
Economia não é só sobre dinheiro. É sobre como escolhemos viver juntos.
Referências:
OXFAM. Relatório Anual – Às Custas de Quem? 2025. Disponível AQUI
PIKETTY, Thomas. O Capital no século XXI. Ed Intrínseca: São Paulo, 2014
THINK OLGA. Pesquisa Os Sonhos Delas. 2025 Disponível AQUI
YUNUS, Muhammad. O banqueiro dos pobres. A evolução do micro crédito que ajudou os pobres de dezenas de países. Ed Ática: São Paulo, 2000.
WAHL, Daniel. Design de Culturas Regenerativas. Ed. Bambual: São Paulo, 2020.
Mariana Madureira é diretora executiva da Raízes Desenvolvimento Sustentável e fellow da Wellbeing Economy Alliance (WEALL) e Post Growth Institute, entidades que estudam e promovem novas economias.